Subam ao palco que hoje tem poesia de Marilza Ribeiro e música de Karola Nunes. Subam ao palco e tomem uma cachaça, um suco de caju, aprendam a fazer um tsuru, dizem que quando se faz mil um desejo é realizado. O desejo se realizou, um papel em branco é o palco dos atores, dos poetas, dos inventores. O que você faz quando está diante de um papel em branco? Respondo que escrevo. “Põe para fora”, digo meio tímida.

IMG_1345

Indagada, a poetisa de 82 anos responde que escreve como cachoeira, ora como deslizando nas nuvens, ora como uma xamã que recebe raios, para escorrer o que esteve silenciado por milênios: o choro, a voz da mulher, de todas as mulheres. Recita “O sonho impossível” de Chico Buarque e reforça que temos que ser como Dom Quixote e lutar contra o vento.

A poesia se intercala com a música de Karola, os atores explicam que este é um encontro, e dançam antes de jorrarem palavras, poemas, sentidos. A mulher que chora a perda do filho, entra na bacia com terra, um corpo despedaçado de boneca. A terra suja o papel em branco.

IMG_1393

Pedem que fechemos os olhos. Apagam as luzes. Imagine quem você gosta. E o poema desliza pelo corpo todo, me transcendo, vou para outra atmosfera, um fragmento de memória só meu. Volto com um sorriso no rosto e olho em volta, as pessoas choram. Sentimos a poesia em nossos poros.

Os poemas e a música (en)cantam para ser extrassensorial. Mordem o caju e se lambuzam com a fruta, com este sentido adquirido pela poesia cuiabana, lascívia, nossos elementos misturados com prazer, com a pele. É palpável. Dá para sentir no ar.

IMG_1377

As palavras caem em folhas de papel das mãos de quem as recita. E então tudo se acaba. Rasga-se o papel que agora está escrito com palavras aleatórias, por quem ousou interagir para criar naquela folha que estava em branco.

“As aves e os poetas ainda cantam” – a peça leva o mesmo nome do livro de poemas da autora – marcou meu domingo com uma poesia que ainda me era desconhecida, mesmo estando logo ali, quase na esquina da minha vida.

IMG_1411

Um livro de Marilza Ribeiro e não sabem como sorteá-lo, grito que quero em um impulso exagerado ávida por devorar toda a sua poesia. Trago para casa o livro. E acompanho a poetisa com seus passos firmes descer pela escada do Cine Teatro dizendo: “Até os 100 anos eu vou continuar escrevendo”.

IMG_1427

Inconsistências

Na cidade-arena

feito polvo-máquina

condicionando

seres sonâmbulos

multidões

nas grades

do não sentir

não pensar

não entender,

o pós moderno

pavão eletrônico

planta

nas mentes

nas carnes

recados-sementes

tramas

tensões

roteiros

receitas delirantes

na montagem

de um anti-Eu

sob medida.

Nos artifícios

de práticas anunciadas

criam-se utopias

insólitas

promessas

de um paraíso perfeito

do vazio.

Ficha técnica do espetáculo: Encenadores: Talita Figueiredo, Karina Figueiredo e Benone Lopes; Poesia: Marilza Ribeiro; Música: Karola Nunes; Direção: Jan Moura; Iluminação: Karina Figueiredo; Operação luminotécnica: Thayana Bruno; Cenário, figurino e adereços: Confraria dos Atores.

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here