Por Luiz Renato de Souza Pinto*
No segundo semestre de 1987 fui ao Rio de Janeiro com Eduardo Ferreira, Antonio Carlos Lima e Amauri Lobo, tínhamos uma missão: levar um grupo de bancários para participar de um Festival Nacional de Representação Teatral que aconteceria no Liceu de Artes e Ofícios, região central da cidade. Ficamos hospedados no Guanabara Palace Hotel durante uma semana; nós e, mais ou menos, duzentos e cinquenta atores/bancários de todo o país, funcionários da Caixa Econômica Federal. Uma estória de finais era o nome do espetáculo, representação parodística do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.
Na noite de nossa apresentação, meu primo, Paulo Ricardo, foi visitar-nos no GBH (é dele a foto em que brindo com Antonio Carlos Lima enquanto Gardenia, sua filha, hoje jornalista por lá, aparece de braços cruzados). Paulo sempre foi um guru para mim, talvez pela magia e encantamento com que fazia da fotografia um verdadeiro graal. Em preto e branco fotografou nosso espetáculo (que não foi tão bem assim). Chegando lá descobrimos que os árduos ensaios que duraram algo em torno de três meses não foram suficientes para uma boa preparação e os bancários estavam mais interessados em visitar o Rio do que em fazer teatro, propriamente dito; e isso nem era tão má ideia assim.
Dia desses fui até a Universidade Federal de Mato Grosso para assistir a uma palestra que me pareceu importante. Logo à entrada encontro meu ex-colega de trabalho, O Luso, agora funcionário da UFMT que me indagou: “não sabia que você também fotografava!”; eu disse que não, que apenas admirava essa atividade. E na verdade, minha relação com a fotografia é bem antiga, essas coisas que começam na família e você nem sabe precisar exatamente como e onde.
Meu primo fotógrafo, botafoguense fanático, veio a adotar como sobrenome artístico seu clube do coração. Paulo Ricardo Botafogo hoje mora em Garopaba, local em que fotografa Baleias e animais marinhos. Mora com vinte e sete cachorros em uma casa redonda que é atração da cidade. Bululu e sua turma dividem cômodos da casa, ocupam o jardim e se revezam em rodadas no pátio, sob a guarda do primo e de Jonnhy, seu fiel escudeiro. Pelo menos era assim quando estive por lá em janeiro de 2013. E tem uma coleção enorme de fotos artísticas dos tempos em que fez muitas capas de discos, sobretudo para a Polygram. Por intermédio dele assisti a gravações de Erasmo Carlos, Eduardo Dusek, conheci Kiko Zambianchi, vi, de longe, Toquinho mixar um disco, esbarrei com Virgínia da banda Metrô pelos corredores da gravadora, abracei Luis Caldas.
No Centro Cultural da UFMT estavam inúmeros fotógrafos para assistir a essa palestra e para tietar, cada um a sua maneira, o ilustre palestrante. Homem de fala baixa apresentou-se dizendo a idade, 79 anos, bisavô, três casamentos nas costas etc. A noite foi aberta com a apresentação de José Luis Medeiros, nosso grande fotógrafo, tido por ele como um filho adotivo, igual a muitos que se espalham pelo país.
E o palestrante começa a falar de outro José Medeiros, o antigo fotógrafo da revista Cruzeiro, e decorre de sua fala um arco de histórias irreverentes entrecortadas por frases de efeito que o revelam bom frasista, além de jornalista e repórter fotográfico, artífice da imagem e ou qualquer outra denominação. “Sou da aventura, não fotografo pela estética”. Lembrei-me de Roberto Carlos em ritmo de aventura. Ele discorre sobre Cartola, sobre o samba. Insiste na simplicidade como base para sua arte. “A estética está dentro de cada um de nós”. Fala em fotografar pedaços, personalizar o olhar, na estética de uma lente só!
Walter também tem suas grandes referências, mas diz que acima de tudo fotografa com amorosidade; esse jovem que, aos onze anos queria ser padre, ao quatorze, cantor de rádio, depois de infância curtida no Irajá, subúrbio carioca, sai do quintal emoldurado por árvores frutíferas para ver frutificar sua verve jornalística, picado que fora pelo jornalismo aos quinze anos de idade. Fala em “manipular, educar o olhar das pessoas”. E mostra fotos de Cartie-Bresson, dentre outras referências, mas insiste em uma poesia da dor, epifania que não foi contida pela fotografia digital, pelo contrário, acentuou-se o olhar clínico que mudara de suporte apenas. Ler a realidade continuou sendo seu foco, não precisando para isso de nenhuma grande angular, ou teleobjetiva.
Em determinado momento de sua apresentação, tira um mimo da cartola. Fala e mostra fotos de Pixinguinha, cita o nome de Paulinho da Viola, príncipe do samba, relata momentos de convívio com Cartola e dona Zica, e nos deixa envaidecidos por sermos brasileiros. Para quem já morou no Rio de Janeiro é um elixir ouvir essa criatura.
Se a cor, velho Walter, é seu devaneio, saiba que para mim sua fala deixou o preto no branco: Firmo o compromisso instantâneo com o quadro a quadro; alter ego descritivo deste momento. Lembro apenas das palavras poéticas do poeta mineiro de outrora verve surrealista na poesia e também caio no Álbum de retratos!
*Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, professor de literatura, ator, performático do bando caximir e botafoguense.