Uma cicatriz de fogo rasga a pele fina do cerrado. A tatuagem das chamas faz círculos e curvas de um rio que sobe rumo aos precipícios adjacentes, afluentes fumegantes que fluem rasteiros rumo ao céu denso de nuvens que chovem fuligem.

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As fotos de Aruã Callil revelam algo que sempre existiu, e é nisso que reside sua grande beleza. Não na catástrofe do incêndio e na persistência do problema em si, mas no fato de projetar nos relevos dos paredões, no brilho das estrelas e na hipnose do fogo sobre/humano as sombras de um futuro carbonizado que nos espera logo ali, por detrás da última árvore retorcida que sucumbir à destruição. Longas exposições que elevam o brilho da tragédia ao brilho das estrelas, da amplitude de tudo o que não se conhece. Ritual de volta ao princípio. As cinzas no chão querem ser estrelas no céu e eu não sei mais se somos feitos de poeira espacial ou dos resquícios do cerrado.

Aruã começou a estudar e se interessar por fotografia em 2013, pouco antes de uma viagem aos EUA, onde passou por inúmeros parques nacionais de câmera na mão e olho no horizonte. De volta a Cuiabá, desembarcou com sede de novos projetos: recorreu ao Parque Nacional de Chapada dos Guimarães. Acompanhou os brigadistas – que serão homenageados na abertura da exposição – durante uma semana de combate ao fogo, entre subidas de morros e avaliação das condições climáticas.

“Gosto de pensar a fotografia antes de faze-la. E eu sempre gostei muito de fotografar paisagem porque é uma relação estranha, você fica íntimo de um lugar gigantesco. Eu voltei – dos EUA – querendo continuar esse produção, mas sentia que faltava algo a mais nessa fotografia pra não ser só mais um cartão-postal, faltava um contexto.”.

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“Me propus a conversar com o Parque para registrar como é o combate ao incêndio, não do ponto de vista fotojornalístico mas com um olhar lírico. Transformar esse desastre numa beleza plástica que às vezes passa despercebida.”.

Ressaca violenta, as cortinas da manhã se abrem de frente a um cenário apocalíptico e surreal. A garganta seca denuncia um mato ainda mais seco. Um milhão de vezes mais seco. E a tragédia à luz do dia tem o sabor da fumaça e o desespero do pesadelo. Raios de luz que atravessam a fumaça podem ser furos de esperança. Repletas de movimento, as obras também vão dos contrastes duros e violentos da noite às sutis gradações de cores esmaecidas pelo dia.

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Trabalho notável que nos aproxima da reflexão ecológica pela beleza sedutora da catástrofe, a exposição (Com)Sequências acontece no MACP – Museu de Arte e Cultura Popular da UFMT, com abertura no dia 30 de setembro, às 20h, e contará com 21 obras além de instalações.

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