Em uma palestra, o mediador perguntou para o autor em destaque da mesa se ele era um agitador cultural. Rindo e certeiro respondeu – o que parecia já ser a milésima vez que a pergunta era feita a ele – não se considerar um agitador, mas um agitado cultural.
Gosto desta definição para abrir minha resposta. O autor é um agitado. Inquieto. Em vibração. Com o nervo saltando da epiderme. O autor contemporâneo demoliu a torre de marfim há muito tempo. Chutou para longe a escada que o levava ao pedestal. Ainda bem!
A nova configuração intelectual não é ficar apenas trancado no escritório com livros cobrindo a mesa. Vai além. O intelectual, o autor e o profissional das letras querem saber quem é que escreve no mesmo período que eles. Quem está na mesma geração produzindo. Qual o escritor ou escritora que está formando uma poesia, colocou o ponto final em mais um conto, virou o capítulo de outro romance. Estão atentos e participam de ocupações, saraus, intervenções, eventos literários independentes, conhecem novos leitores. Acolhem debates e opiniões. Estão nas ruas. Comprando e construindo zines, colando lambe-lambe. Penduram seus escritos nas praças, metrôs e ônibus. Estão subindo, na plataforma virtual, seus vídeos com performances poéticas.
Conheço muitos autores que são agitados literários. O poeta-botequim de Felipe Pauluk. Diego Moraes e seus versos irônicos no cotidiano do amor do século XXI, ao lado do escritor Roberto Menezes, organiza, todo ano, a Flipobre, com mesas literárias realizadas por meio do Youtube. A literatura de resistência de Débora Arruda, Pedro Bomba e Allan Jones, que a duras batalhas disputam suas vozes com os barulhos dos carros no Sarau Debaixo, em Aracaju, realizado embaixo de um viaduto. As performances e experimentações literárias de Herbert de Oliveira e Adriana Abreu, em Aracaju, com o Grupo Tatamirô de Poesia, na declamação de textos poéticos, sejam eles escritos na forma de prosa ou verso em suas múltiplas manifestações verbovocovisuais. Em Porto Velho com o arretado e militante dos versos Elizeu Braga, no espaço Arigóca, pertinho do Rio Madeira, celebrando a diversidade com intervenções urbanas, intromissões poéticas, narrativas da memoria e mosaico de oralidade.
O autor contemporâneo está sempre em alerta, fora e dentro da internet. Entre um gole e outro das cervejas dos botecos. As configurações estão nas produções, editorações, divulgações e educações. Os blogues e sites culturais independentes que expandem os escritos atuais. Podem-se encontrar com Aline Bei e Juliana Ferreira no OitavaArte, com publicações diárias das poesias independentes. No Cidadão Cultura, que apresenta a literatura de Cuiabá. Encontra-se no batente de três poetas – Aristides de Oliveira, Demétrios Galvão e Thiago E. – na editoração da primorosa revista cultural Acrobata, publicada em Teresina, Piauí. A produção em Porto Alegre da FestiPoa. Evento produzido com luta por Fernando Ramos e companheiros. As zines desenvolvidas e divulgadas de mãos em mãos por Nicolas Nardi. Nas conversas das literaturas marginais realizadas por Ferréz na Fábrica de Cultura de São Paulo. As declamações de Luiza Romão, Victor Rodrigues, Anna Zêpa, Maria Rezende e Roberta Estrela D’Alva. Os saraus, que celebram a literatura como quem come escondidinho de carne seca. Aquele delicioso sabor poético da Cooperifa, Binho, A Plenos Pulmões, duBurro, Parada Poética e Suburbano, organizados pelos guerreiros Sergio Vaz, Binho, Pézão, Daniel Minchoni e Sinhá, Renan Inquérito e Alessandro Buzo. Sempre No empoderamento do Slam das Minas. Em Salvador, saudando a cultura afro-brasileira, pelo poeta e professor Nelson Maca no Sarau Bem Black. Um país imenso para o grupo Estados de Poesia, projeto colaborativo idealizado em parceria com poetas, coletivos, saraus e movimentos literários da cena contemporânea que possibilita o encontro de artistas de diferentes localidades, sob o intento de promover o intercâmbio cultural entre os estados.
O autor contemporâneo também encontra espaço nas editoras independentes. Nas mil mãos e olhos de Eduardo Lacerda e a Editora Patuá. Em Léa e Zé Renato com a 11 Editora, carregam a valise cheia de livros debaixo dos braços para espalharem os autores do interior de São Paulo. Está na Malha Fina Cartonera. Um brinde a Vanderley Mendonça e seu selo Demônio Negro. Está na NÓS, com Simone Paulino. Na barraquinha transportada de feira em feira por Bruno Azevêdo com a Pitomba – livros e discos. No suor e na fumaça de uma equipe que sempre deu o sangue para que todo ano possa ser realizada a Balada Literária, tendo à frente o incansável Marcelino Freire.
O profissional de letras não é mais aquele isolado em sua sala acadêmica. Admirando o diploma amarelado pendurado na parede. Está agitando além dos muros do ensino superior. Encontra-se na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com o “Projeto L&R” – Literatura e Realidade -, sob a coordenação da professora Rejane Rocha e equipe de estudantes, tendo como objetivo oferecer cursos modulares de literatura brasileira moderna a alunos de Ensino Médio, de modo a enfrentar o desafio de ensinar literatura fora dos padrões impostos pelas escolas, pelos materiais didáticos, pelos vestibulares, de maneira interdisciplinar e conectada à realidade dos alunos. Na resistência contra a Escola Sem Partido. E ainda em São Carlos, um salve para o Slam das Quebradas, da Casa Hip Hop, nos saraus, nas rodas de conversas dos Leitores Livres, nas performances do Poeta em Queda, nas intimidades poéticas de Matheus Torres e na imagem literária de Yuri Batáglia Espósito.
Acredito nestes agitados no cenário literário contemporâneo brasileiro. Estarmos sempre em movimento. Alertas. Confraternizados. A literatura tem que estar cada vez mais conectada. Este é o cenário. Há tantos nomes, tantos escritos. Tantos agitados culturais.
Jorge Ialanji Filholini nasceu na cidade de São Paulo, em 1988, mas reside há mais de 20 anos em São Carlos, interior do estado. Editor do site cultural “Livre Opinião – Ideias em Debate” (www.livreopiniao. com). É um dos curadores do Festival Gaveta Livre, evento literário e teatral realizado em São Carlos. Fez parte, ao lado do escritor Marcelino Freire, do projeto Quebras (www.quebras.com.br), como produtor e assistente de multimídia. Participou da antologia, lançada em novembro de 2015, com textos e fotografias que desenvolveu durante a sua viagem pelo projeto. Lançou, em 2016, o livro de contos Somos mais limpos pela manhã, pelo selo Demônio Negro.