Por Carole Bê*
“- sinto dor de cabeça nos ossos dos olhos
– ontem roí, sem intervalos, todas as unhas e cutículas
– minha energia está em torno de 60%, com margem de erro para baixo e para os lados
– recuperei o tesão pela leitura e pelo sono
– penso menos em sexo do que na solução
– medicamentos alopáticos não servem para a cura, apenas pra recreação
– no centro do meu ódio, quebro todas as vidraças pra fugir do outro lado
– não quero me mostrar, mas quero que me vejam
– sinto as pálpebras confusas, mas a mente está ok
– espirro um pouco, tusso menos, sou imune a chikungunya
– perder o controle é encontrar a direção
– tonalidade do meu dia: algo cinza
-esverdeado, inclinado à transparência
– consegui fazer comida depois de três semanas
– o meu cérebro se move como nuvens pesadas
– consigo sorrir mas não creio na alegria
– a alegria é um Deus farto
– a alegria é um lugar que viaja na memória
– a alegria (também) é um músculo sem vontades
– eu não saio de casa, mas a casa não me habita
– eu não ganho dinheiro, mas o dinheiro não me vence
– meu apetite pela vida se projeta na descida
– perdi minha juventude pra você não envelhecer
– na geladeira não tem água, mas tem doce e tem garrafas
– minha sede é um mar de espelhos
– gastei o último desejo com seu gênio racional
– aprender a conhecer é aceitar o não-saber
– é preciso ver na faca uma amiga pra ferida
– hora de absolver o céu: o limite é a gastrite
– é preciso morrer de uma morte bem vivida”
*Carole Bê, é de Brasilia.