Por Larissa Campos*
O andar decidido e rápido. Sabe como são as coisas. Você acorda atrasada, parece que a noite de sono não foi suficiente. Mas não adianta, porque os compromissos não podem esperar, o chefe não espera, aquela conta vai vencer, a reunião começa dentro de algumas horas e você tem várias pessoas para convencer.
Apesar do atraso é preciso tomar um café, comer alguma coisa e, enfim, acordar. A batida do sapato ecoa pela rua, você só ouve o toc toc e não pensa em mais nada. Era só um dia, como muitos outros dias, agenda cheia, cabeça cheia e aquela fome maluca das manhãs.
Não aguento mais, preciso comer, ou vou desmaiar. A lanchonete fica logo à frente, compro um pão de queijo, peço um café amargo, sento por alguns minutos para devorar. Sim, devorar. Ando muito faminta pelas manhãs, metabolismo mais rápido, vontade de comer o mundo, mas não posso. Até posso. Não devo. O problema é que o pão de queijo mata a fome do corpo, mas a fome de mundo, essa não passa. Quem sabe um dia passe.
Com o pão de queijo numa mão e o copo na outra, procuro uma mesa na lanchonete. A mesa mais afastada, de preferência, para evitar companhias indesejadas. Não adiantou. Um rapaz se aproximou, pediu para dividir a mesa comigo. Balancei a cabeça no sentido positivo. Ele também tinha um pão de queijo e um café. Era mais jovem, uns cinco anos mais jovem que eu. Rosto de menino, jeito de menino.
Eu mantive o olhar para baixo, na mesa, movendo os farelinhos que o pão de queijo deixou, para lá, para cá. Levantei a cabeça, olhei para frente, meus olhos encontraram os dele. Eram intensos, firmes, negros, transmitiam a calma e leveza que eu precisava para encarar aquele dia de trabalho árduo.
Assim ficamos, olhos nos olhos, por cinco, dez, quinze minutos, não sei dizer ao certo. Foram longos minutos de mergulho, a minha alma na dele, a dele na minha. E nada mais existia além daqueles olhos. Não sei o nome, a profissão, onde vive, quantos países conhece, as gírias que gosta de falar, os livros que leu, os que não leu, as músicas preferidas, as contradições. Mas, ao mesmo tempo, sinto que sei mais do que poderia imaginar.
Tive que interromper aqueles minutos de mergulho. A reunião se aproximava, o chefe estava no aguardo. Me levantei, os olhos dele continuaram a me acompanhar até que eu sumisse de vista, no meio da multidão que passava pela rua. No que ele estava pensando? Nunca saberei.
Não dá pra explicar o que se passou comigo naquele momento. Talvez seja um desses encontros mágicos, que não deixam tempo de reação, acontecem rápido demais para serem compreendidos e, por mais difícil que seja, você precisa simplesmente aceitar que tinha que ser assim.
*Larissa Campos é jornalista, quase-advogada e vive em Cuiabá. Apaixonada por literatura, volta e meia gosta de se aventurar com as palavras.