Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama Nicolas Behr

Lá pelo início dos anos de 1980 eu estava cursando Arquitetura na Universidade Gama Filho no Rio de Janeiro e fui convidado para participar de um projeto de edição de um livro coletivo. Nessa época estava plenamente envolvido com a poesia e acompanhava os movimentos que pipocavam pelo Brasil de novos poetas, da geração mimeógrafo, sob a égide da Poesia Marginal, oriunda dos anos 70 e que tinha como pilares, o grupo Nuvem Cigana, Ana Cristina César, Cairo e Patrícia de Assis Trindade, Charles, Chacal, Cacaso, Bernardo Vilhena, Francisco Alvim, Leila Mícolis, Geraldo Carneiro e toda uma geração de poetas que buscavam romper com as práticas editoriais, desafiando a tudo e todos e levando a poesia quase como uma pregação.

A galera imprimia pequenos livros e ganhava as ruas num corpo a corpo, olho no olho, recitando poemas, realizando leituras nos bares, nas quebradas, nas esquinas, nos guetos, que serviam como um tira-gosto anunciando o banquete das liberdades democráticas que se desenhavam no horizonte da ditadura militar. Movimento anti censura, pós tropicalista, base cultural do rock brasil que explodiria depois, e de tantos grupos de poetas, artistas visuais, da música, cinema e várias outras manifestações. Heloísa Buarque de Hollanda já vinha captando esse momento, essa explosão intraestelar, subterrânea, de dentro para fora a (cor)romper as camadas que se sobrepunham, publicando o livro 26 POETAS HOJE, em 1975. O movimento literário surgia mais como um fenômeno de época, de geração, acontecendo em vários lugares ao mesmo tempo, com manifestos livres e de ocasião, ao sabor das geografias e das realidades dos lugares-cidades espalhados pelo país.

De Brasília, destacava-se aos nossos olhos o Nicolas Behr.  Mais tarde aqui em Cuiabá com a experiência radical com o bando Caximir, tínhamos na ponta da língua o poeminha repetido à exaustão em nossas andanças e intervenções poéticas que fizemos em Cuiabá e pelo Brasil apavorando os bares e as praças, ruas e universidades: “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama Nicolas Behr”. Paródia do “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire”, de autoria do compositor pernambucano Antônio Maria (1921-1964). O Maldito francês censurado, renegado, rebelde, acusado de imoral, Charles Baudelaire, era um dos nossos vários ídolos que formavam o gosto palatável pelos heróis da resistência poética, dos malditos europeus, das vanguardas extravagantes de comportamentos transgressores, de contracultura, uma vez que abominávamos as práticas ditas oficiais e acadêmicas. Não aos poetas de gabinete, vamos às ruas, vamos ao povo!

Muito depois é que fui saber que o Nicolas era daqui de Mato Grosso, soube e gostei de saber, mais um cuiabano na área. Bairrismo à parte ele era uma presença marcante e produzia uma poesia ousada, sacana, bem sacada, desafiadora e potente a provocar rupturas nas hostes mais conservadoras. Iogurte com Farinha era um livrinho seu que circulou em nossas mãos e era bastante celebrado.

Ecoavam palavras de (des)ordem, Torquato era touché: Seja marginal, seja herói.

Os acadêmicos sempre torceram o nariz empinado, desqualificando a Poesia Marginal , colocando-a como sub movimento, sub literatura, sub cultura. Mas era, e era pra ser isso mesmo, ninguém queria o mainstream, o barato era ser contracultura, era ser herói, era ser marginal. Ninguém queria aderir ao sistema de coisas. Ansiava-se por liberdade, a produção artística burlava a censura, driblava, enganava, subterraneamente eram distribuídas pílulas de transgressão incendiando o país amordaçado. O poder era a linguagem, a desvirtuação da linguagem, a transgressão dos costumes reprimidos pelo Brasil dos militares e dos dedos duros que vigiavam pró-sistema.

Passa um filme em minha cabeça, quero narrar tudo e caio na impossibilidade. O texto sempre vai deixar brechas. Rememore quem viu e viveu. Lembro que encontramos, numa viagem do Caximir para Barra do Garças, com o Dionísio, arquiteto e artista do design, era o Diô do Nuvem Cigana. Aquele encontro foi memorável, final dos anos 80. As afinidades eram intensas e as trocas de afetos e materiais da época, impressos e impressões sem fim na conversas que rolaram como se fôssemos velhos conhecidos, cúmplices existenciais.

Pois agora o Nicolas Behr está lançando livro em Cuiabá, memórias afetivas de Diamantino, pequena cidade que ele morou no interior de Mato Grosso. Vamos lá, olho no olho com ele, sempre quis conhecê-lo, acho que vou ao Sesc Arsenal para o lançamento. Outro tempo, outra pegada. Agora ele é reconhecido, apesar de que (parece) continua independente, mas já é bastante conhecido e respeitado consagrado como poeta agitador das letras poéticas. Gente assim não para nunca. A poesia é como um vírus que se propaga por todos os poros de nossa epiderme luminosa como peixe nos cafundós do mar, nas profundidades abissais onde os seres se iluminam de versos e saem por aí a escarafunchar territórios novos e surpreendentes da linguagem poética, essa coisa que dá luz que nem manga em pé de escuras árvores na contraluz da existência.

Meu amigo e parceiro Lorenzo Falcão mandou esse release de bom tamanho que publico na íntegra:

“DICIONÁRIO SENTIMENTAL DE DIAMANTINO”, DO CUIABANO NICOLAS BEHR,  SERÁ LANÇADO NO SESC ARSENAL, DIA 7 DE DEZEMBRO.

Neste novo livro o poeta Nicolas Behr, nascido em Cuiabá, residente em Brasília, DF, mas que passou a infância em Diamantino, mistura memórias pessoais com a história coletiva desta cidade tão importante na sua vida.

No Dicionário Sentimental de Diamantino o escritor registra fatos

que corriam o risco de se perder na noite dos tempos e fala de pessoas,

lendas e paisagens que lhe são caras. É também, sem dúvida, uma forma de agradecer a tudo o que Diamantino proporcionou ao autor: uma infância riquíssima, dezenas de amigos, personagens fascinantes e muitas, muitas lembranças.

Este livro, edição independente, cobre um micro-período (1958-1968) contando micro-histórias de uma micro-região: Diamantino antes da soja, vegetal que mudou a paisagem da infância do poeta para sempre.

É o terceiro livro cujo tema é a cidade da qual Nicolas é Cidadão Honorário desde 2010. Os outros livros sobre a sua infância nestas paragens são de poemas: Menino Diamantino, ilustrado pelos filhos do poeta, de 2003; A Lenda do Menino Lambari, com desenhos das crianças da Escola Municipal Castro Alves, do Assentamento Caeté, publicado em 2010.

Com belíssima capa criada exclusivamente pela artista plástica Dalva de Barros, o Dicionário Sentimental de Diamantino, de 176 páginas, é composto de 80 verbetes e 90 fotografias.

Serviço:

Lançamento em Cuiabá –

Local: Sesc Arsenal

Data: 7 de dezembro ( quarta-feira )

Horário: a partir das 18 horas

Preço: R$ 30,00

Contatos com o autor:
(61) 99982 0418                                             paubrasilia@paubrasilia.com.br