Por Túlio Paniago Vilela *

Há alguns dias uma aranha está presa no banheiro. Uma enorme caranguejeira. E eu não faço ideia do que fazer a respeito.

Na verdade, estou de mudança. Então talvez eu vá e ela fique. Seria um desfecho razoável para a situação. Mas, por hora, falemos da mudança e deixemos a aranha para depois.

Em janeiro, completo sete anos em Cuiabá. Sigo para a oitava morada. Nenhum lar. Estranho concluir que o caos e o calor da cidade me acolhem mais do que o conforto e o silêncio das paredes que me cercam.

Deveras sinto que, neste isolamento coletivo, só se socializa solidão e medo. De resto, somos todos estranhos (em todos os sentidos que a palavra abrange). Como também é estranha a situação da aranha.

Porém, recentemente, outra situação me causou estranheza maior. Fiz, pela primeira vez, sexo virtual. Confesso que sou antiquado nesse ponto e não sinto o tesão que outros sentem pela tecnologia, mas o envolvimento com a pessoa fez valer a experiência, que não nego ter sido prazerosa.

Entretanto, quando gozei, me deparei com a mesma cena deprimente de um pós-pornô. Na mão direita, meu pau. Não mão esquerda, o brilho cintilante do celular. Na minha concepção de sexo é como se nada faltasse, exceto tudo. Meu esperma, escorrendo entre os dedos, parecia plasma.

E na realidade concreta, escura e fria daquele instante, lembrei da aranha presa no banheiro. A outra alma – se assim me permitem – viva naquele lugar. Esta súbita lembrança foi suficiente para interromper minha efêmera excitação touch screen. Senti, de repente, uma profunda identificação com a condição do aracnídeo.

Tentei rememorar, então, o nosso improvável encontro, que, apesar de marcante, não recordo muito bem. Lembro apenas de alguns flashes. É, confesso, não estava muito lúcido na ocasião. De fato fora uma noite em que o medo se rendeu ao delírio. Tanto é que sua presença não transmitia nenhuma sensação temerosa, mas de absurdo.

Ela caminhava lentamente, passando pelo vaso sanitário. Minha atenção se centrou na imponência de seu andar, coordenando harmoniosamente as oito peludas patas. Poderia dizer que hesitei em matá-la, porém, na verdade, esta hipótese nem sequer fora cogitada. E, ao sair, sabe-se lá o porquê, fechei janela e porta. Desde então uma aranha habita o banheiro.

Depois disso, por algum motivo, fiquei um tanto perturbado. Não por acaso, passei a utilizar somente o outro banheiro da casa, como se naquele eu tivesse sido proibido de entrar, ainda que fosse claro que, na realidade, era eu quem a estava impedindo de sair. Portanto, talvez, o que me afasta dali não é a certeza de sua ameaçadora presença, mas a dúvida quanto a uma assustadora – e muito provável – ausência.

Afinal, para ser sincero, temo intimamente não passar de alucinação (curioso como o fruto podre do medo brota do fértil solo da inquietude). De modo que, agora, o medo se sobrepõe brutamente ao delírio.

De qualquer forma, mesmo que este aracnídeo nunca tenha estado no plano concreto das coisas e dos seres, ainda que seu imponente andar tenha sido projetado pela fragilidade de uma mente delirantemente temerosa, sua existência é inquestionável. Pois, tal qual um juízo de valor, a existência é pessoal. Portanto, ainda que não exista, sem dúvida há uma aranha presa no banheiro. E, na minha cabeça, uma teia.

* Túlio Paniago Vilela é jornalista, escritor, da cidade de Mineiros,
e vive em Cuiabá desde 2010.

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