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São muitas as denominações para se falar sobre a Cannabis Sativa, mas o importante é falar sobre ela, quebrar este tabu de que não podemos debater a legalização das drogas. Estive no Uruguay nas férias de fim de ano. Já fazia muito tempo que ansiava por conhecer o primeiro país do mundo a legalizar a maconha.

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Com apenas 3,5 milhões de habitantes e 176.215 km², o pequenino Uruguay é bem diferente do vizinho gigante brasileiro, com seus mais de 200 milhões de habitantes distribuídos em uma extensão de 8.516.000 km².

Enquanto jornalista, turista e consumidora, gostaria de conhecer a realidade que tem sido delineada após a legalização. Com uma visão que destoa de outros países, como Estados Unidos em que alguns Estados começam a trabalhar com a comercialização, o Uruguay não quer ser procurado como destino turístico da maconha.

Por isso, as grow shops não vendem e também não indicam onde comprar. Muitos turistas buscam as lojas com a esperança de que irão encontrar a Flor del Uruguay. Em todas que entrei, os vendedores foram enfáticos com os estrangeiros que estiveram no recinto com o mesmo propósito. “Não vendemos Marijuana”. É o que dispõe a lei.

Pode-se plantar, ter uma loja para que as pessoas comprem os itens necessários ao cultivo, como luzes especiais, pequenas estufas, sementes, ou criar um clube de consumo, tudo regulamentado. A comercialização é proibida.

Grownshop em Montevideo
Growshop em Montevideo

Caso queira consumir a “prensa paraguaia”, a erva prensada, é preciso recorrer ao tráfico, ao “mercado clandestino”. Todos os uruguaios disseram o mesmo, que não conheciam quem vendia, mas que era possível tentar no Mercado del Puerto para comprar de alguém na rua.

Por uma indicação de uma amiga que havia visitado o país, cheguei até uma grow shop, tirei fotos e disse ao vendedor que tinham me contado sobre a sua loja e perguntei: “Tienes regallos?”.

Então, ele me vendeu um papel de enrolar fumo (seda) por 1.500 pesos, e um regallo (presente) de 3 gramas da flor uruguaia. E explicou: “Aqui por ser legalizado, ninguém vai te perguntar como você arrumou a maconha”. Das cinco grow shops que visitei foi a única.

Finalmente, ela estava ali na minha mão, delicada, verde, e incrivelmente cheirosa. Ao enrolar o baseado, a diferença é gritante. E você se questiona: Que p* é essa que eu fumo no Brasil? Depois em Punta del Este, um estrangeiro que estava morando lá descolou o mesmo valor por sete gramas.

Grow shop em Montevideo
Growshop em Montevideo

Encontrei pessoas de vários países e algumas delas viajaram especialmente para conhecer a realidade sobre a legalização e também o símbolo/ícone de uma política que consideram mais consciente e conectada com a realidade, que é o ex-presidente José Pepe Mujica.

Um polonês que fuma maconha há 16 anos, todos os dias, resolveu largar sua carreira estável e pela primeira vez saiu da Europa. Chegou ao Uruguay com o intuito de conhecer o seu ídolo, Mujica. Ele conversava animadamente com um jovem de Montevideo sobre a admiração ao ex-presidente e a questão da legalização.

O jovem engajado na política respondeu que não votou no Mujica, que é da oposição, mas que no Uruguay, as pessoas mesmo que estejam em lados contrários ao dele, o consideram e o respeitam. Lá, eles prezam pelo debate de ideias, pela construção. Comentei que era diferente do Brasil, que tudo vira briga de torcida, um Fla x Flu interminável, enquanto os políticos incentivam esta disputa para dilapidar os direitos da população.

O debate sobre a legalização durou um ano e meio. Mujica diz que o Uruguay não legalizou a maconha, e sim regulamentou o que já existe, o mercado. Intercedem neste mercado. Para o ex-presidente, o narcotráfico é pior do que a droga, pois traz outros problemas sociais, mais terríveis. É plata ou plomo (dinheiro ou morte). Sua visão é o que é: o fracasso da guerra contra às drogas em todo o mundo. E revoluciona ao trazer para o Estado a responsabilidade, enfraquecendo o tráfico.

Ainda há muito para se avançar no país no que concerne a regulamentação da erva, principalmente, a venda nas farmácias (há certa resistência de alguns estabelecimentos em fornecer, justificam falta de segurança enquanto o governo patina na própria burocracia de como solucionar este e outros impasses). A previsão era que a venda começasse no segundo semestre de 2016, o que não se concretizou. Outro ponto é que muitos usuários não se cadastraram no banco de dados do governo para cultivarem a erva, por receio de sofrerem retaliação em algum momento.

Esta resistência em não se tornar um ponto turístico devido a legalização pode parecer restringir um possível mercado e fonte de renda (algo que pode ser mudado com o tempo, afinal a legalização ocorreu em 2013), mas é reflexo da consciência política da população, que parece estar em processo de entender como estas mudanças se dão em seu cotidiano. É mais do que consumo, é uma ideologia.

E antecipa uma onda que acontece em todo o mundo, que é enxergar a questão da droga como aquilo que realmente é: um problema de saúde pública, que se não for debatido com o olhar voltado para a realidade, gera distorções no nosso dia a dia, como a criminalização do usuário e o distanciamento do poder público e sua ineficácia em implementar políticas públicas.

Países como Portugal e Espanha flexibilizaram suas leis. Em Portugal, por exemplo, o usuário pode dispor de até 25 gramas, acima disso a pessoa passa a responder criminalmente. Diferente do Brasil cuja Lei Antidrogas nº 11.343/2006, é subjetiva por não estipular uma quantidade e deixa nas mãos do delegado e do magistrado a definição de quem se enquadra como usuário e quem se enquadra como traficante. A ideia era que houvesse uma proteção maior ao usuário, o que não ocorreu na prática e levou a um aumento nas prisões por tráfico.

Suas potencialidades medicinais são utilizadas na humanidade há milhares de anos. Inclusive o médico psiquiatra Lester Grispoon considera que a maconha medicinal será tão importante na história da medicina quanto a descoberta da penicilina.

Aqui no Brasil, o documentário Ilegal narra a luta de pais para tratarem a epilepsia de seus filhos com medicamento a base de canabidiol, extraído da planta da maconha. Muitos enfrentaram todas as consequências, inclusive judiciais, para garantir o acesso dos filhos ao tratamento medicinal. Depois de muita batalha, conseguiram a liberação junto à Justiça.

Eu quero ter o direito de fumar um baseado ao invés de tomar um medicamento tarja preta, sem que isso prejudique terceiros, sem estar sujeita a prisão, de poder andar livremente pelas ruas, como fiz em Montevideo, com a proteção do Estado.

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Eu não quero essa falsa liberdade que nos empurram, eu quero a liberdade real, ter meus direitos de escolher como viver. Eu fumo maconha regularmente há sete anos, e durante esse tempo, muito mais do que usar como forma recreativa, eu a utilizo como remédio, medicamento. Foi ela quem me acompanhou em uma das depressões mais severas, foi ela quem me fez comer quando não tinha fome, me fez levantar da cama quando estava no buraco mais profundo. Ela a quem eu aprendi a respeitar e entender, seu lado bom e seu lado ruim, a dosar sua presença na minha vida de forma com que pudesse me dar mais benefícios. Eu não quero ter medo de dizer isso. Eu não posso ter medo de dizer sobre o remédio que me curou.

Eu sei que o caminho, o seu, o nosso, é árduo, mas precisa ser trilhado. E o primeiro passo deve ser dado com coragem: sair desse armário escuro, romper o estigma, quebrar o tabu. Falar. E mostrar em exemplos reais, que as pessoas que consomem a erva, trabalham, contribuem com a sociedade, são membros ativos, e não merecem viver sob às sombras do tráfico de drogas, da disputa de poder político e econômico. É maior do que isso, é uma ideologia, filosofia, é uma busca de uma vida mais honesta, menos hipócrita.

Eu fumo maconha. E você?

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

6 Comentários

  1. Mais do que qualquer situação temos o dever de colocar o assunto para ser abertamente discutido. Parabenizo a matéria que abre a possibilidade de se ver o tema como deve ser visto, com varias faces, como a criminalização do usuário, o trafego, o uso como terapia, e tantas outras variantes. Parabéns, coragem de colocar sem receio um dos mais importantes tabus de nossa sociedade. Viva essa moça que risca as palavras e tem coragem de prestar tão relevante serviço.

  2. Relato lúcido de Marianna Marimon. À época da minha graduação vários colegas do curso de Direito apresentaram monografias defendendo a legalização da maconha, não por serem consumidores, mas por terem concluído após sérios levantamentos que os custos para combater o narcotráfico são infinitamente maiores que os custos para tratar dependentes químicos. A lógica apresentada nas conclusões dessas dissertações é que a legalização levaria necessariamente à regulamentação e tributação, podendo (devendo) os valores arrecadados serem destinados à informação, combate e tratamento da dependência. Num país onde a queda de um helicóptero cheio de cocaína não gera reais sanções aos responsáveis pela nave e seu conteúdo, é pra se pensar quem ganha mais com a proibição: o cidadão comum (consumidor ou não) ou senhores e senhoras nada ilustres mancomunados e fartamente agraciados pelo poder do crime organizadíssmo do tráfico?

  3. Ótimo relato, Marianna! Concordo plenamente que a única forma de darmos passos realmente significativoS nessa “luta contra as drogas” é justamente quebrar o tabu e iniciar o diálogo. Também falo sobre como a proibição e os tabus ajudam a aumentar a curiosidade e incentivar o consumo sem consciência e responsabilidade (aqui https://bit.ly/2SqRbQm).
    A luta não é contra as drogas, é uma luta pelo ser humano e seu direito de uma vida bem vivida.

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