Os tambores rufam, percutidos por mãos invisíveis, os sons vibram sincronizados em um ritmo brasileiro forte. É o maracatu, ela pensa, enquanto caminha como que em transe pelo corredor do teatro, ao adentrar a sala abre um sorrisão, vou usar isso em minha música, vou misturar rap com maracatu, rap, com samba, com os ritmos brasileiros, afros, nossas raízes, quero um som negro, um som que represente a Bahia, África, Brasil, nossa gente. Meu nome é Azul, me apresento livre e lúcida, sou de Várzea Grande, Mato Grosso, Brasil e o mundo é o meu lugar. Nossa história bem que podia começar assim.

Azul saiu daqui para uma pequena turnê em Minas Gerais, Belo Horizonte, há mais ou menos um ano atrás.

azul-rap

Azul faz parte dessas histórias, sem a pieguice que costuma cercar esses casos, de pessoas que se dão bem sob o signo da superação, mas da superação real de desafios que surgem na vida de forma inesperada e que nos confrontam de maneira a colocar em risco até mesmo nossa integridade seja física ou moral ou o que mais for.

azul“Eu não sabia do meu potencial. O mais importante quando a gente tá começando uma carreira é a gente desafiar primeiramente a nós mesmos. Num certo momento pensei que não conseguiria, que voltaria para casa, tentar arrumar um empreguinho…Mas aí algo mudou. O que me fez acreditar foi a determinação. Disse pra mim: eu posso, eu consigo, eu vou! Não é fácil, mas é possível.”

Essa menina trás uma luz que pressinto, vai brilhar muito ainda na vida. Tá na sua cara, na sua dignidade, na sua integridade como pessoa, sua força que reluz, seu talento e consciência poética política estética. Ela vem da periferia de Várzea Grande, de família de trabalhadores, de uma mãe guerreira, de uma vida de luta e que faz parte de um contingente de brasileiros que a maioria apostaria no fracasso como futuro sem perspectiva. Vidas que já nascem predestinadas a cumprir ritos terríveis de pobreza e vida sem grandes perspectivas como a maioria do povo brasileiro com pouco acesso à educação, saúde, cultura, enfim…já conhecemos esse filme.

Mas o filme em tela é outro, estamos falando de uma pessoa que nasceu para brilhar, estou falando de Azuila Azul e ponto final. Aliás, sem essa de ponto final, sua carreira está apenas começando e as portas parecem se abrir para ela com muita facilidade.

azul“Fui a um show da Elza Soares e fiquei chocada com ela. Gravamos um vídeo com uma música dela e acabamos sendo convidadas para cantar com ela no palco do Sesc Palladium em B.H. Foi maravilhoso! Ao final fui agradecer a Elza e ela me disse com aquele vozeirão todo: Por quê me agradece?. Eu disse: Por você me representar. Ela respondeu: Para com isso, você vai representar meus bisnetos!”

O sincronismo, as pessoas certas nas horas certas, a consciência que ela tem de como são importantes certas pessoas em nossas vidas, que ninguém se faz assim sozinho.

13330917_644349782396165_3140687632291945048_n

“Quando fiquei sozinha em Belo Horizonte, me vi diante do maior desafio de minha vida. Agora era eu comigo mesma, tinha que escrever minhas músicas. Mas, foi aí que conheci pessoas incríveis, artistas maravilhosos, João das Neves, Titane, Vander Lee. Pessoas que levantaram minha bola: Vamos lá menina, o que você precisa? Comecei a escrever e compor. Foi quando conheci a Bia Nogueira, produtora do Festival Sonora Ciclo Internacional de Música Autoral, que ouviu minhas músicas, percebeu meu esforço e me abriu um espaço para uma apresentação no Sonora. Teve pessoas maravilhosas participando, a Sara Guedes, Bárbara Suíte, Carolina Andrade e outros. Na sequência surgiram várias parcerias musicais. Foi Lindo!”

azuicla

Azuila Costa ou simplesmente Azul, é seu nome, Azul é Azuila, o rap de Azuila é Azul.

“Uma das parceiras mais consistentes foi a Carolina Andrade, ela é uma cantora trans. Eu fico emocionada de falar dela por que ela fez de tudo para chegar aonde chegou e impõe respeito apesar de todo o preconceito vigente. Tenho uma irmã gêmea que é trans também e que me inspirou numa canção que fiz com a Carolina, ‘Por trás de meu peito tem mais que silicone’. A partir disso cantamos juntas em uma série de eventos.”

Foto Flavio Souza Cruz
Foto Flavio Souza Cruz

Terminamos assim nossa viagem a essa aventura musical surpreendente que vem lá de Várzea Grande. Mais uma vez vamos bater na mesma tecla, esse é um estado que vem se mostrando cada vez mais musical. Impressiona a quantidade de novos talentos que vêm surgindo na cena musical em Mato Grosso. Infelizmente na mesma velocidade com que surgem se mandam para outros centros por falta de mercado e condições de aqui desenvolverem seus recursos criativos.

“Sou brasileira, eu sou guerreira, sou África, mulher negra, eu sou Bahia, filha de Iansã, somos irmãos! Sou igual a você, eu só quero viver…”

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here