O cheiro fica na memória. Sempre observei e achei engraçado isso de cheiros. Eles conseguem nos levar de volta a vários momentos. Ando pelo rua e sinto o cheiro dos seus cabelos, levo minha mão até meu nariz e sinto que tá ali. No mesmo momento, pelos meus olhos passam imagens dos meus dedos enroscados nos seus cachos, sinto na ponta deles o quanto seu cabelo é macio.
Toda essa lembrança boa e então eu volto pra realidade. Foi ali mesmo que você me deixou. Eu escolhi um lado e cai na frieza do seu olhar. Os punhos cerrados, a boca e o nariz inspirando um certo ar de braveza. E a mesma frase repetidas vezes saindo dos seus lábios “eu te avisei, não vá por aí”.
Você tentou me avisar, essa é a verdade. A minha teimosia sempre me fez quebrar a cara. Mas eu não tenho medo do que vem virando a esquina. Eu me jogo na intensidade de cada momento. A experiência é minha, a vivência é minha. Ninguém segue seu próprio caminho pela vida alheia. Cada um faz sua história e pra mim, é muita covardia não arriscar. Detesto linhas retas (a não ser no papel que fica bem bonito), detesto enquadramentos (a não ser as molduras com os quadros nas paredes).
Sem engessar
Sem caber num quadrado
Ou num círculo
Retângulo
Triângulo
intensidade
indefinição
me jogo de cabeça
não sei ser pela metade
não dá pra começar comendo pelos cantos
deixando aquele pedacinho mais gostoso pro fim
não espero esfriar
gosto quente
queimando a língua
deixando sem ar
ofega
fumegante
paro
respiro
transpirando
sei que inspiro
suspiros
um piscar de olhos
e eu já fui
você nem viu
só sentiu meu cheiro
e percebeu aquele fio de cabelo na fronha do travesseiro ao lado.