Não sei por onde começar. Não sei se escrevo todos os personagens que me habitam, se termino um livro para começar outro ou se simplesmente dobro as roupas que dormem na minha cama. A minha desordem é de dentro para fora. Reproduzo o mesmo caos que vive em mim, expurgo-o, para que venha à realidade e se instale no cotidiano, nas coisas práticas: lavar a louça suja, limpar toda a poeira que se acumula nos meus móveis, dar entrada no meu passaporte para cair fora, solicitar meu diploma de jornalista, começar a dieta, caminhar, organizar as séries de TV, ser mais humana, mais eficiente, saber me mover no mundo como uma peça no jogo de tabuleiro. Comprar o pão de amanhã e passar um café fresco. Essa praticidade que me dizem ser essencial para ser uma pessoa completa, autossuficiente, descomplicada, ou outro conceito qualquer. Colocar as roupas sujas na máquina de lavar automática. Depois de três horas, estender as roupas no varal. Ser prática. Fazer o almoço. Acordar às seis com despertador, que é o celular, sempre ao lado, sempre alerta. Também é preciso se informar, ter uma opinião, emitir sua opinião na rede social, curtir, comentar, compartilhar, é preciso interagir. Estar online, 24h conectada. Viver no ritmo que dizem ser prático, necessário, é o mundo capitalista. Exige praticidade. Ser prático. Ser máquina. Mais uma xícara de café amargo. Absorta olho o relógio que marca dez pras onze, hora da reunião. Maldito feed infinito. O Facebook diz: cuidado Marianna, não vá se molhar, hoje a previsão é de chuva, no que você está pensando? Nas guerras ao redor do mundo, nos presídios, nas ruas, na miséria, na chuva que molha esse papel e mancha minha letra torta. Aprenda a fazer uma receita em 30 segundos, descubra o segredo do sucesso, do corpo perfeito, de viajar, o segredo da vida em cápsulas efêmeras de imediatismo vazio.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Comentário

  1. Me identifico completamente e “A minha desordem é de dentro para fora. Reproduzo o mesmo caos que vive em mim, expurgo-o, para que venha à realidade e se instale no cotidiano” traduz uma parte de mim…
    O lado humano não acompanha o tecnológico, disse o poeta Sodré, e eu completo que o lado humano se perde e pode ser facilmente consumido pela rotina rítmica, mecânica e monótona que nos é imposta e à qual somos cobrados a participar. Mas por trás de pessoas de aparências convidativas, equilibradas e calmas há mentes inquietas, pensamentos fervilhantes, vulcões de sonhos, desejos e projetos…. #divaguei

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