As manifestações típicas de uma arte mais urbana surgem em Cuiabá nos anos 80. O mundo já se conectava de uma forma muito mais vibrante e de antenas ligadas em uma perspectiva pré-internet. As informações começavam a circular com muito mais intensidade, uma circulação de idéias e um tesão criativo, uma vontade de fazer muito maior que qualquer barreira, sofrendo as porradas da cultura massificada sob as batutas monstruosas das indústrias dominantes da difusão cultural. Era o tempo das gigantes.
A década de 80 foi uma década riquíssima em rupturas e buscas por novas alternativas. Rock na estrada Br abrindo picadas no sertão brasileiro de parabólicas eriçadas em palhoças explodindo metais para todo lado. Geração 80-Rio-Parque Laje irradiando cores e alegria anárquica, “expressionante!”, como diz um amigo meu, Wenderground. Cuiabá era ponto de muitos encontros e rupturas, importantes para a preparação de um terreno fértil onde antevíamos o surgimento luminar de novas cabeças no decorrer dessa trama caótica. Trouxemos aqui o Aguillar da Banda Performática, vieram poetas marginais, conhecemos Diô, arquiteto carioca, designer, artista gráfico, que agora mora em Barra do Garças (ele acabava de chegar do Rio de Janeiro e fazia parte do movimento da galera da Nuvem Cigana). Arrigo Barnabé e suas Claras Crocodilos no Teatro Universitário. Havia aqui representantes de peso na pintura da Geração 80, dois monstros como Adir Sodré e Gervane de Paula. Bandas de rock surgindo e explodindo as garagens, SS, Caximir, Bloqueio Mental, GTW, Kabalah, Alma Negra, BR 364, Nidhog, Lynha de Montagem. O teatro maldito de Chico Amorim e o Grupo de Risco, a genialidade de décadas de Wlademir Dias Pino. Liu Arruda e Chico carnavalizando o escracho cuiabano com suas mais de mil máscaras.
Nos bares do baixo Coxipó respirava-se liberdade e exalava-se criatividade como matriz para um mundo possível, algo que demarcou um período desencadeador de forças que sobreviveram e foram realçadas com toda sua pluralidade. Acontecia aqui uma efervescência que definiu, mesmo que entropicamente, toda uma sequência de acontecimentos que legitimam essas expressões. Uma contemporaneidade antenada nos mais de mil tentáculos da cultura, da política, da arte, da história.
Fora os que se foram, a grande maioria das pessoas daquela década estão em franca atividade. Mário Olímpio, produtor cultural, lembra: “Os 80 foram a 120. A vida era divertidamente rápida e a gente pensava que nunca iria acabar. Se bem que, no eterno retorno, não acabou. Abertura política, comício das Diretas, colégio eleitoral, Fafá de Belém, Tancredo, Rock’n Rio, Mercenárias, Inocentes, Ira, Legião e Paralamas. Em Cuiabá, nas ruas do baixo Coxipó a universidade federal exalava o perfume da contracultura. Caximir, bar do Chico, bar do Léo. Poesia cara trocada por bebida barata. Ateliê livre, Adir, Gervane, Aline e Humberto. João Sebastião. Teatro universitário tinha Pixinguinha. Parece que foi ontem. E foi mesmo”.
Encerro o artigo com os olhos – orbitais sobretudo – da professora universitária mais cult de todos os tempos em Cuiabá, a musa Maurília Valderez: “Adir Sodré e seus caralhos voadores sinalizando e barbarizando o campus da UFMT, Wlademir Dias Pino e muitos outros que faziam parte da galera e também comeram o ‘biscoito fino’ fabricado pela poesia-literatura-filosofia oswaldianas, traçaram a cartografia dessa cidade-sol, plantada no cerrado. Feito máquina de guerra, invadiram a cidade demolindo seus ídolos. Havia Caximir, que na época tinha Bouquet e fez um grande estrago na cultura dita local/regional, mostrando que o global era aqui. Realizando um tipo de experiência criou-se algo que até então a cidade não vira, não ouvira ou sentira, enquanto conde Bakura com seus dentes afiados sangrava palavras e corpos com sua volúpia. Pura experimentação era o devir-bar Quase 84. Esses visionários que como os animais estão sempre à espreita de algo. Estavam envolvidos com processos de criação na poesia/pintura/literatura/
*Artigo originalmente escrito para o site Overmundo (2006).
“Eu até hoje tenho o sabor dessa festa na minha boca”. Faço minhas as palavras dessa MUSA maravilhosa que é Valderez!
gosto bom
lambi os beiços 🙂