Cuidado ao entrar. Corpo exposto no chão. Não pise. Aqui vive um ser humano.

IMG_1126

A invisibilidade, vulnerabilidade, a condição daqueles que vivem à margem da sociedade, renegados, excluídos, degenerados, moradores de rua, viciados. A droga, o crack, a lata. A falta preenche a ausência de nada.

Olhos marejados pela violência exposta. A humanidade escorre lentamente pelas lentes de José Medeiros em sua exposição “Kyyaverá – Cuyaverá – Cuiabá 300” no Museu de Arte e Cultura Popular (MACP). Um olhar sobre os 300 anos da nossa cidade. Não é só cerrado, árvores retorcidas, pôr-do-Sol para selfies, agronegócio, soja. Tem o lado humano que não se vê ou que não queremos ver. Os tons são de um vermelho sangue, o fogo do isqueiro que acende a boleta da droga na lata. Queima, queima, o fogo queima, impiedosamente.

IMG_1119

A voz de Elza Soares reverbera entre as luzes vermelhas que canta “a vida é tão rara”. Um vídeo com toda essa dolorida exposição humana nos recorda que somos apenas pó, enaltecidos por egos inflados, sem ter consciência da miséria ali, logo ao lado. A nossa própria miséria.

IMG_1138

Amauri Tangará saiu com os olhos cheios de lágrimas, me conta Zé. Todas as pessoas estão com uma surpresa dolorida na alma. As fotos batem em cheio na nossa condição social, é impossível negar que a invisibilidade existe também em nós, afinal, qual a nossa parte nisso tudo? Negamos a nossa própria realidade. Negamos a nossa existência. Negamos nossa humanidade.

IMG_1128

É um trabalho que se embrenha na natureza humana, na condição humana. São fotos que chocam, que nos arrebatam para uma realidade que é nossa, nos pertence, mas não a vivenciamos, porque a relegamos ao plano da invisibilidade. E Zé Medeiros rompe essa barreira, sua foto é o olho a olho, é enxergar aquilo que todos se recusam a ver.

IMG_1130

A nós, nos resta agradecer pela coragem do fotógrafo em expor a nossa vulnerabilidade humana. E este trabalho independente continua, afinal, são muitas as histórias para se contar através do olhar.

IMG_1137

A sombra do menino refletida na fotografia da Sol. Zé conta que pediu para tirar uma foto dela e ela disse não, mas que declamaria um poema. Ele gravou o registro e deu vida às suas palavras, à sua dor, a sua história. E que estas linhas inspirem mais sensibilidade aos dias, mais empatia com tudo o que vive o outro, e que não nos pertence.

poema sol

2 Comentários

  1. Chocante e corajoso esse trabalho do Medeiros. Já pensei (amadoramente) fazer algo semelhante, mas se aproximar desses locais com uma câmera em mãos não parecia algo de bom senso. Ainda bem que o grande fotógrafo não busca a normalidade, mas sim romper com ela, como brilhantemente fez. E ótimo texto srta. Marimom.

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here