Primeiro conheci seus símbolos de fé. De todos os tipos, de todos os lugares do mundo. E estes objetos pequenos, médios, grandes misturam-se em cor e vida. Os relicários como santuários da crença em algo maior. E então conheci uma força que transbordou todos aqueles significados da sua arte em instalações.
Precisava entender mais sobre Adriana Milano, queria saber por que todos os tipos de santos estavam ali, e por que depois colocou bonecos de bebês mergulhados em água dentro do látex, da borracha, do preservativo, como as vidas que não foram. Um espelho todo “quebrado” embaixo. Esta foi a instalação da artista na exposição Substantivo Feminino. E antes disso, no Salão Jovem Arte, colocou fotos, potes com objetos imersos em água, bonecos, e uma forca em cima deste painel repleto de sentidos.
Por isso, desci na Praça da Mandioca para conhecer seu ateliê, o Bendito Santo. Dizem que aquela região possui uma energia poderosa. E neste pequeno espaço no mundo que é seu, entre o colorido dos objetos – miçangas, taxas, fitas – ela monta, desmonta e remonta a sua arte. Um crucifixo está em cima de sua mesa quando nos recebe para a entrevista.
E ela conta sua história. “Comecei um pouco tarde, tem uns 20 anos, e foi de uma forma bem leve, sem pensar que chegaria aqui. Comecei com os relicários, presenteando os amigos e as coisas foram acontecendo naturalmente. Um processo bem natural, lento, com calma, tudo foi acontecendo sem um empurrão”.
Os símbolos de fé ou símbolos sagrados são sua paixão. “Não sou religiosa, nada disso, sou apaixonada por símbolos sagrados, de qualquer religião, tanto é que quero falar da diversidade religiosa, sem preconceitos. É a aceitação das religiões, eu me interesso pelas coisas belas, e essas imagens e símbolos me encantam, daí saem as peças”.
A energia que existe na região do Centro Histórico chegou até a sua arte. “Esse espaço foi extremamente importante para o meu crescimento. Energeticamente é muito bom, foi aqui que consegui colocar para fora muitas coisas que estavam dentro de mim e considero essa energia da Praça da Mandioca extremamente importante para minha criação. Tem tudo haver com a fé, as pessoas entram aqui e sentem essa energia. O meu trabalho vem muito dessa energia”.
Pergunto se as pessoas descobriram Adriana Milano ao que com um sorriso tímido me responde: “A Adriana Milano se descobriu”. É um processo de autoconhecimento, de descoberta pela arte. As questões que tem abordado para além da fé em sua arte contemporânea e conceitual são carregadas por símbolos femininos. A mulher, a mãe, a escolha. Ela quer falar sobre a dor que aflige as mulheres, sobre as perguntas que calam fundo na alma feminina. Adriana escolhe o grito, a expressão, deixar seus sentimentos tomarem forma, contorno.
“Estou em um processo de busca. Estou me descobrindo na arte. É muito importante as exposições, foi uma forma de eu mesma acreditar. Essa instalação (do Substantivo Feminino) falo sobre a minha vivência, um momento da minha vida extremamente importante e que através desse trabalho consegui passar isso para as pessoas, sobre o que é aborto, o fato, a importância que isso tem na vida de uma mulher, de abortar ou não”.
A sua própria escolha agora é refletida em arte. “Foi importantíssimo não fazer esse aborto, na época eu com 20 anos, você está começando a sua vida, foi muito conturbado, e valeu a pena. Eu acho que esse trabalho é extremamente importante para todos que viram, mas muito mais para mim”.
“Eu acho que temos poder total para decidir, e a mulher é muito agredida, eu quero deixar claro que elas tem que combater isso e crescer e mudar a sua história em qualquer sentido”.
“O Salão Jovem Arte é uma passagem minha. Eu estou trabalhando com relicários, artesanato e tentando entrar num caminho mais artístico já há vários anos e aquela instalação foi o meu questionamento: qual é o caminho que eu consigo chegar, onde eu quero chegar? Aquela forca significa matar todos os meus medos, os meus receios, qual é o caminho por onde que eu começo, tanto que é a minha primeira instalação individual”.