Por Caio Augusto Ribeiro*

Estamos inseridos em uma configuração social que existe sem essência e está morta de significados, vivendo de palavras vazias que não dizem coisa alguma. Quantos “Nuncas”, “Sempres”, “Talvez” e “Pra Sempres” você já viveu?

Minha paixão pela linguagem sempre foi algo recorrente. Aos quatro anos, carregando um exemplar de Turma da Mônica, implorei para que minha avó me ensinasse a ler. A pobrezinha não poderia ensinar, mas me fez o imenso favor de ler para mim. No mesmo dia, me ensinou a jogar xadrez.

A língua é uma instituição social e por isso tem uma importância significativa em todos os processos que permeiam a nossa existência e o nosso contato social. Seria imensamente impossível construir qualquer tipo de relação se todos os indivíduos tivessem uma língua própria e individual, a não ser que tivéssemos a extrema capacidade de aprender o idioma dos outros em poucos minutos. O texto não fala sobre a língua, sua estrutura ou qualquer coisa do tipo, como diz minha avó “O buraco é mais embaixo”.

Aprendi inglês sem saber que estava aprendendo e hoje sou fluente. Fruto de um contato prematuro com a língua no auge dos anos 2000 jogando Super Nintendo e Playstation One, enquanto me esforçava para ler os diálogos e entender o que se passava nos enredos mirabolantes dos jogos antigos. O processo foi natural e evolutivo. Comecei a assistir filmes legendados, séries de tv, talk shows e toda a sorte de programas em outros idiomas. Quando me dei conta, aos quinze estava conversando com estrangeiros em sites de relacionamentos.

the weight of words

Em uma de minhas andanças virtuais, conheci uma garota chamada Ashley. Conversamos por várias horas e, depois de dizer que a língua nativa do Brasil não era o espanhol, ela contou-me o desejo que nutria em aprender o português. Nisto, seguimos um caminho interessante nas vielas da semântica e atravessamos várias fronteiras entre Português e Inglês. Ashley contou-me que achava muito incrível o poder que o português tinha de colocar várias ações em uma só palavra. Após o riso, saltou-me a mente a provocação.

“I miss you”, disse. “Eu sinto sua falta”, numa tradução literal. No Brasil dizemos apenas “Saudade” e fica por ali. Minha amiga virtual me causou uma profunda reflexão a respeito da forma como podemos resumir uma porção de coisas numa única palavra (que pode perder o significado devido sua repetição massiva). Pensando nisso, descobri que nunca disse “Eu sinto a sua falta”, pelo contrário, já disse saudade sem sentir falta. E o pior, as vezes eu sinto “saudade”, mas nem de longe é algo como “sinto sua falta”. A frase traduzida parece ser bem mais forte, eficaz e verdadeira. É necessário incluir-se na sentença e usar o artigo. É tão cruel a forma como eu nunca senti a falta de ninguém e ainda acuso em poesia de “arder em saudade”… É como se no “I miss you” sentíssemos falta da pessoa em si e, na saudade, sentimos falta dos momentos em que vivemos com essa pessoa distante.

Contei a minha amiga que in Portuguese we have one word to say when someone lies on your lap and you do caresses in his hair. (em português nós temos uma palavra apenas para dizer quando alguém deita em seu colo e você faz carinho em seu cabelo). A surpresa nos olhos de Ashley foi indescritível. Ela não conseguia imaginar que poderia existir uma palavra para definir algo tão grande. “What is the word?” (qual é a palavra?). “Cafuné”, eu disse. E que palavra bonita! Tão gostoso um cafuné num dia frio, ainda mais quando é feito por alguém que você gosta.

A conversa se encerrou, mas os meus pensamentos, não. Desde aquele dia, refleti muito sobre as palavras e como falamos uma porção de coisas que não temos a mínima noção do quanto podem significar.

significado-das-palavras

“Você sempre erra comigo!”

Sempre: adv. Em todo tempo; a toda hora; perpetuamente ou eternamente. (fonte: http://www.dicio.com.br)

Então quer dizer que esta pessoa, não importa o que ela faça, ela SEMPRE irá errar com você? Sempre é uma das maiores palavras que eu já ouvi. É um evento que vai estar acontecendo o tempo todo infinitamente. Uau! E aqueles amores em que definimos logo de cara como “pra sempre” sem saber que o “pra sempre” sempre acaba, como bem cantou Renato Russo ídolo que ousamos dizer que viverá “pra sempre”, ou melhor, que NUNCA será esquecido.

“Você nunca vai conseguir!”

Nunca: adv. Jamais, em tempo algum (fonte: http://www.dicio.com.br).

“Eu não quero te ver nunca mais na minha vida!” Perdoe a redundância, pois “nunca” é algo tão grande que basta ser “nunca” pra durar muito mais do que uma vida.

“Eu nunca menti! Sempre fiz tudo pra salvar esta relação!” – Oh, meus deuses. Quanto paradoxo!

Perdemos o total significado das coisas e sentenciamos pessoas a viverem em “sempres” e em “nuncas” que são eternos. Em um de meus ensaios de teatro uma das atrizes disse que, por ter batido o carro uma vez, “nunca” tornaria a usá-lo novamente. Hoje, enfrenta o descaso do transporte público e a contradição de possuir um carro e não conseguir dirigir. Amaldiçoada pelo seu próprio “nunca”.

Outras palavras que refleti: Tudo e Nada. Seriam antônimos? Não. Vou dizer o porquê.

Tudo é o conjunto de todas as coisas que existem, sendo assim, o nada está inserido no tudo, pois “nada” ainda é uma coisa, ainda que seja “conjunto vazio”. Vamos encontrar Fernando Pessoa em um Tabacaria:

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

É partir desta premissa que podemos nos reinventar. Se não somos “nada”, não há definição nenhuma para o que somos, então, podemos ter todas as coisas, pois somos uma tabula rasa esperando para ser preenchida.

Cito muito Humberto Gessinger com suas máximas: “Nunca é sempre” e “Na verdade o ‘nada’ é uma palavra esperando tradução”. Como somos capazes de ocultar o “tudo” em um “nada”, não é mesmo?

Espero que um dia possamos resgatar a essência das palavras para não mais vivermos em traumas de nuncas e em relações finalizadas que durariam pra sempre. Que seja então, eterno enquanto dure.

WhatsApp-Image-20160617 (4)Caio Augusto Ribeiro – Sou um verbo conjugado na 1ª pessoa do singular. Ator e diretor no Teatro Laboratório Experimental (TLE), autor do livro O Porão da Alma, acadêmico de ciências sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso e pai do Marcelo.

 

 

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here