Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Delisle_-_Mappe-MondeSempre gostei de viajar. Desde criança adorava mapas, planejava viagens que nunca aconteceram. Nos anos de 1980 andei atrás de eventos culturais e demais aventuras. Viajei de carona de Cuiabá até Bauru, em São Paulo, para assistir ao II Festival de Iacanga, em 1981, onde vi Raul Seixas, Roupa Nova em início de carreira (era banda de rock) e Zé Geraldo, dentre outros. Assisti ao primeiro show do Kiss no Brasil, em 1983, no Morumbi e pouco depois vi o Yes no Rock in Rio de 1985. Este, graças à pressão de Eduardo Ferreira sobre Amauri Lobo para que me desse um ingresso, já que tinha dois. (pronto, falei!).

Data da foto: 1985 Show de Ivan Lins, cantor e compositor, no Rock in Rio.
Data da foto: 1985
Show de Ivan Lins, cantor e compositor, no Rock in Rio.

Dia desses contei a meus filhos sobre um episódio passado em Poços de Caldas, nas Minas Gerais. Estava em uma praça da cidade preparando alguns livretos de poemas para vender quando conheci Gil, poeta, que me abraçou com a solidariedade típica de artistas alternativos quando se encontram. Ofereceu-me abrigo no quarto de hotel em que dormia. Combinamos uma estratégia para burlar a vigilância para que eu pudesse entrar sem pagar. Depois de instalado me disse que iria atrás de comida. Alguns minutos depois volta escondendo algo que salta de sua jaqueta: um açucareiro; ficamos a rir enquanto devorávamos colheradas para acalmar a fome.

Quando criança assistia aos programas Amaral Neto Repórter e delirava com a diversidade cultural do Brasil. Por mais de uma vez lembro-me de matérias sobre o rio São Francisco e sua cultura. De como me encantavam aquelas carrancas que encetavam a proa das embarcações e pensava que um dia ainda estaria lá pra andar em uma delas. Pois bem, ano passado conheci um trecho daquele leito. Exatamente no ponto em que Juazeiro e Petrolina dividem as águas do velho Chico e represam no peito de qualquer um certo orgulho de estar diante daquela maravilha de lugar.

imagesMas essa história começa três meses antes, em maio de 2015, em Garanhuns, quando conheci Rossana Ramos que me falou de Petrolina, da Universidade de Pernambuco e de um concurso para professor que estaria para acontecer. Disse que gostaria de me ver por lá, que precisavam de pessoas com o meu perfil para ajudar na construção de uma universidade forte. Fiquei no aguardo. Inscrevi-me. Fui para Petrolina em agosto. Como o processo todo se daria em um único golpe, levei uma mala de livros com material para qualquer um dos temas que pudesse cair na prova didática, caso passasse na escrita. Passei. Feliz da vida deixei na cidade a mala com livros e outros objetos, pois voltaria em breve para morar às margens do grande rio.

O tempo foi passando e nada da nomeação. Fui passar o final de ano em casa de Rossana e travei contato com a mala. Como a que levei sofreu um acidente na viagem, troquei pela outra e deixei a rasgada por lá, na expectativa de voltar logo, em definitivo. Mas a nomeação saiu somente em fevereiro deste ano, quando já havia desistido, por motivos pessoais, de ir para Pernambuco.

malaVoltei a Petrolina agora em julho, a fim de buscar a mala. Clarissa Loureiro me convidou para participar de algumas bancas de graduação, que aceitei de imediato e, saudoso de minha mala, abracei-a com um amor tão grande pelo seu recheio que parecia um filho ausente. Conhecer Laiane, Samara, Felipe e Camila Thaís foi um enorme prazer. Até pelo abraço extensivo às obras de Érico Veríssimo, Oscar Wilde, Fernando Pessoa, Gil Vicente e Ariano Suassuna.

É com saudade que me lembro dos jantares na Cuscuzeira, da companhia sempre agradável de Rossana e do final de tarde na Orla do São Francisco. Peguei da mala e rumei para o Recife, buscar o resto de minhas coisas que lá me esperavam sob a guarda do velho amigo Carlos Barros, e que estavam a acumular poeira em uma de suas estantes. Mas o excesso de peso rondava a me trazer problemas. Tive que deixar para trás alguma coisa para não pagar excesso de bagagem.

Comprei uma mala nova. Resolvi deixar a velha em casa de Carlos. José Vinicius, que não havia entrado na história, ficou de trazê-la quando viesse a Cuiabá neste mês. Brinquei com Rossana que essa história viraria crônica. Tive que aguardar quase um mês para que o encontro enfim acontecesse; a velha mala de volta, em nossa casa nova. Preparei seu lugar, sonhei povoá-la com revistas diferentes. Programei um lugar de destaque em minha biblioteca, pois como mala não haveria mais chance de ser utilizada. E com o desvio de função assegurado restou-me aguardá-la.

livros-topoJosé é ousado e gozador. Resolveu pregar-me uma peça dizendo que não a traria este mês, pelo mesmo problema: excesso de peso. Fiquei decepcionado, embora entendesse suas prioridades. Restou-me prolongar o sonho de revê-la, mas tive a certeza de que a crônica sairia, um dia. Eis que para minha surpresa ele a trouxe e era apenas uma pegadinha desse malandro dizer que não a traria. Ao abri-la e me deparar com aqueles livros foi como rever velhos amigos e pude pegá-los, um por vez com um sentimento de quem se despede de um sonho antigo, mas crente que muitas outras viagens estarão em minhas futuras viagens para aquele lugar. Que dezembro chegue logo para que eu possa abraçar ao sertão mais uma vez, como já fosse filho daquela terra que já amo demais…

*Luiz Renato de Souza Pinto é teacher, actor, performer, escritor, poeta, caximir.

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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