Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Dia desses contei a meus filhos sobre um episódio passado em Poços de Caldas, nas Minas Gerais. Estava em uma praça da cidade preparando alguns livretos de poemas para vender quando conheci Gil, poeta, que me abraçou com a solidariedade típica de artistas alternativos quando se encontram. Ofereceu-me abrigo no quarto de hotel em que dormia. Combinamos uma estratégia para burlar a vigilância para que eu pudesse entrar sem pagar. Depois de instalado me disse que iria atrás de comida. Alguns minutos depois volta escondendo algo que salta de sua jaqueta: um açucareiro; ficamos a rir enquanto devorávamos colheradas para acalmar a fome.
Quando criança assistia aos programas Amaral Neto Repórter e delirava com a diversidade cultural do Brasil. Por mais de uma vez lembro-me de matérias sobre o rio São Francisco e sua cultura. De como me encantavam aquelas carrancas que encetavam a proa das embarcações e pensava que um dia ainda estaria lá pra andar em uma delas. Pois bem, ano passado conheci um trecho daquele leito. Exatamente no ponto em que Juazeiro e Petrolina dividem as águas do velho Chico e represam no peito de qualquer um certo orgulho de estar diante daquela maravilha de lugar.
O tempo foi passando e nada da nomeação. Fui passar o final de ano em casa de Rossana e travei contato com a mala. Como a que levei sofreu um acidente na viagem, troquei pela outra e deixei a rasgada por lá, na expectativa de voltar logo, em definitivo. Mas a nomeação saiu somente em fevereiro deste ano, quando já havia desistido, por motivos pessoais, de ir para Pernambuco.
É com saudade que me lembro dos jantares na Cuscuzeira, da companhia sempre agradável de Rossana e do final de tarde na Orla do São Francisco. Peguei da mala e rumei para o Recife, buscar o resto de minhas coisas que lá me esperavam sob a guarda do velho amigo Carlos Barros, e que estavam a acumular poeira em uma de suas estantes. Mas o excesso de peso rondava a me trazer problemas. Tive que deixar para trás alguma coisa para não pagar excesso de bagagem.
Comprei uma mala nova. Resolvi deixar a velha em casa de Carlos. José Vinicius, que não havia entrado na história, ficou de trazê-la quando viesse a Cuiabá neste mês. Brinquei com Rossana que essa história viraria crônica. Tive que aguardar quase um mês para que o encontro enfim acontecesse; a velha mala de volta, em nossa casa nova. Preparei seu lugar, sonhei povoá-la com revistas diferentes. Programei um lugar de destaque em minha biblioteca, pois como mala não haveria mais chance de ser utilizada. E com o desvio de função assegurado restou-me aguardá-la.
*Luiz Renato de Souza Pinto é teacher, actor, performer, escritor, poeta, caximir.