Por Fábio Guimarães*
(para eduardo ferreira)
Apenas hoje viverei.
Amanhã morrerei
em uma montanha
bem distante daqui.
Não precisarei escovar
os dentes e nem haverei
de me sentar
à mesa servida,
para beber
o desagradável
chá queimando meu
desprotegido esôfago.
Apenas hoje ouvirei
o noticiário relatar
sobre nova fraude.
Amanhã não mais
assistirei ao caos
desarrumando a
cidade e os transeuntes.
(Sempre detestei esse vocábulo).
Nunca mais verei
aquela pessoa rir
escandalosamente e nem
aquela outra mastigar o
sanduíche a lhe escorrer
queixo abaixo.
Não doerá minha alma
os habitantes dos lixões
escolherem o menos podre,
vindos dos restos imundos
da vida aqui, indecente!
Amanhã, terei morrido.
Nunca mais verei o vendedor
de sorvetes e seu grito
automático: “Olha o sorvete!”.
Nem você, Clarice, Mara, Berenice!
Não escolherei sapatos.
Nunca mais meus ouvidos escutarão
a frase “Ordem Pública” dentro dessa
brutal desordem pública!
Mas também – quanta pena -, não
mais verei o amor passar…
Um desastre. Não verei mais o amor!
Tudo bem. Amanhã estarei morto.
*Fábio Guimarães é poeta, escritor, advogado e professor da UFMT, foi Defensor Geral em Mato Grosso.