No momento em que nos deparamos com a ideia de juntar pequenos pedaços até formar uma imagem, automaticamente podemos pensar em pixel, não é? E se disser que essas partes provêm de uma arte manual, monocromática, de tom suave e homogêneo, feitas a partir de uma caneta de espessura 0,1? Ficou difícil de imaginar? Pois isso é possível. E podemos chamar popularmente de pontilhismo ou, para os mais específicos, ‘Stippling’.
Composta por pequenos pontos sem sobreposição, o Stippling vai além dos efeitos de profundidade explorados por diversos artistas. Essa técnica exige um estudo específico, que é levado em conta em galerias de todo o mundo. E o mais interessante, é que aqui no Brasil temos um artista-referência na área.
Seu nome é Marcio Ramos, de 42 anos. Natural de Cachoeira do Sul (RS) e residente em São Paulo há quase 30 anos, ele começou os estudos pela academia de Belas Artes na Capital paulista. E através da técnica, teve a oportunidade de expor suas obras em importantes galerias do Brasil e mundo afora.
Além dos pontos que confecciona pelas gramaturas de papel, explora a paisagem de locomotivas imponentes traduzidas nos detalhes exigidos pela técnica. E nessa entrevista, o artista apresenta um pouco da sua história, assim como as nuances da identidade artística que explora e ensina.
Confira a seguir:
Conte um pouco da sua história. Quando começou os primeiros passos na artes e por que decidiu se especializar?
Desde pequeno me interessei por desenhos e rabiscos. Foi mais que um caminho natural para o estudo de desenho e se tornou uma atividade paralela ao colégio. Frequentei ateliers e escolas de arte para ter uma ideia das opções acerca deste trabalho (quadrinhos, animação, design, etc…). Ao final do colégio ficou bem clara a ideia de cursar uma faculdade.
Como foi sua passagem pela Belas Artes em São Paulo?
Me formei em Artes Plásticas em 2000, e durante a faculdade comecei a estudar os fundamentos de desenho e as chaves de valores (cinzas) a partir dos estudos de pontilhismo.
Os exercícios de cinzas (com base nos estudos de desenho de Georges Seurat) me permitiram uma evolução mais assertiva e despertaram o meu interesse pelo pontilhado monocromático.
Frequentei as aulas de Desenho e Escultura para ter uma base mais sólida em desenho acadêmico, e deixei os estudos de técnicas (óleo, aquarela, etc..) para uma formação posterior à faculdade, e decidi investir de forma mais detalhada no estudo de pontilhismo, tanto teórico quanto prático.
Em relação ao Stippling, vertente que você trabalha, quando foi a primeira vez que você ouviu falar nessa palavra e por que se interessou tanto nesse estilo de desenho?
Durante os estudos de pontilhismo, comecei as pesquisas por artistas Brasileiros e estrangeiros para entender as bases para a evolução no estudo em óleo. Isso ficou bem claro, que alguns artistas passaram por esta fase de Pontilhismo antes ou durante os estudos de óleo.
O interesse inicial eram pelo estudos de valores, ou seja, Pontilhismo monocromático, e durante as pesquisas notei a evolução gráfica da técnica, oriunda da gravura, com trabalhos do artista Giulio Campagnola (1500) , e de onde surgiu o nome – Stippling – e assim já tinha um norte da busca de artistas contemporâneos que utilizavam a técnica, como guia de trabalho e também de mercado.
Qual a diferença entre Stippling e Pontilhismo? Além das cores, tem outra diferença?
O Stippling na tradução “é o ato de pontilhar” e se difere do pontilhismo, porque este é realizado com a utilização das quatro cores básicas, quando o Stippling, derivado da gravura, é essencialmente monocromático.
Outro ponto importante é que o Stippling sendo utilizado inicialmente na gravura, evoluiu para um trabalho de caráter mais gráfico e o Pontilhismo se manteve firme nos estudos de cores à óleo.
Qual a principal regra para desenvolver essa técnica com excelência?
A ideia da excelência da técnica é conseguir mesclar o estudo pictórico, sem a sobreposição dos pontos e sim, a equidistância sobre a superfície.
Quais artistas da área são a sua maior referência?
Comecei com os estudos de gravura do artista Giulio Campagnola e me concentrei nos trabalhos do artista Randy Glass, que na década de 80 nos EUA, trouxe a técnica para o papel com a mesma excelência que era feita em gravura.
Você costuma desenhar locomotivas… Quando surgiu esse insight?
O tema ferroviário já era algo de deslumbre, tanto pelo aspecto estético quanto pela relação homem-máquina. Desde pequeno já tinha uma relação de proximidade com a “beira da linha do trem” e me encantava com aquelas máquinas gigantescas e suas passagens rápidas e poderosas pelas linhas que cortam as cidades que morei. Poderosas e ao mesmo tempo frágeis, pois só existiam dentro do contexto da “linha férrea”, e fora dela, apenas máquinas ou um monte de aço amontoado.
E como foi a evolução desta temática?
Com os estudos mais e mais repetitivos consegui atingir um resultado ideal e me lancei a fazer peças dentro do meu tema de pesquisa, que é o estudo de locomotivas.
O aspecto monocromático e o estudo da luz ficam bem alinhados à técnica e ao tema ferroviário, e o tempo de execução me deixava mais à vontade para estudar a construção de desenho das locomotivas, e consegui finalizar uma primeira peça em 2003.
Logo notei que poderia aplicar mais o estudo da luz e da construção pictórica para refinar mais o Desenho dentro da técnica, e retomei o estudo das partes da locomotiva, em pequenos trabalhos, seguindo a mesma poética do Artista brasileiro Glauco Pinto de Moraes, e ao mesmo tempo, estudando mais a aplicação dos pontos, e materiais (tintas e canetas técnicas) para ter um resultado mais estético na peça finalizada.
Quanto tempo em média você costuma fazer uma dessas obras?
A primeira peça de 2003, em um papel A3, levou cerca de 6 a 7 meses para ficar pronta, e logo ficou claro que precisaria de mais estudos para alcançar a velocidade de produção com qualidade.
Atualmente uma peça em A4, determino um prazo de 3 meses para finalizar. E, assim, consigo fazer 3 peças ao mesmo tempo (4h por dia em cada).
Peças em A3, trabalhando unicamente, determino 2 meses de trabalho em 5h por dia.
Peças maiores, a que me dedico atualmente, de 100cm x 90cm, consigo produzir 3 no espaço de 12 meses.
Qual material você costuma utilizar?
Comecei com bico de pena e nanquim sobre papel texturizado 150gm, e evoluindo nos estudos de materiais, atualmente utilizo canetas técnicas com tinta nanquim-arquivo sobre papel Bristol Liso de 250gm.
Você recebe o apoio de diferentes marcas de materiais que utiliza. Como funciona o processo?
Pela excelência de técnica e materiais, acabei por elencar materiais definitivos ao longo dos 20 anos de estudos, e decidi entrar em contato com as empresas e apresentar os trabalhos para conseguir patrocínios e maior exposição. Dentro do conceito de mercado, ter uma marca aliada funciona também como uma chancelaria que atesta a qualidade da técnica.
Atualmente tenho o apoio da representante na Alemanha da empresa Copic, trabalhando com suas canetas técnicas graduadas, e tenho uma proximidade da representante Brasileira, que também apoia meu trabalho dentro do mercado nacional.
Recentemente em 2020 firmei apoio com a marca Inglesa Derwent, representada no Brasil pela empresa Tilibra, trabalhando peças com a técnica a Lápis e Carvão.
Quais principais galerias já expuseram o seu trabalho? Tem vínculo com alguma?
No Brasil participei de Exposições Individuais e coletivas. Tinha representação da Galeria Ornitorrinco, em outras, apenas como convidado. No Exterior era representado pela Galeria Plus One.
Recentemente optei por não ter representação e trabalhar de forma independente e direta com curadores e colecionadores.
Atualmente você dá aulas online, certo? Como funciona? Você ensina a técnica?
Sim, ministro aulas de Desenho Acadêmico na forma Online, de forma mensal e continuada, e a técnica de Stippling é uma opção de estudo dentro do conteúdo programático.
Para quem quer iniciar esta técnica, alguma recomendação?
Estudar Desenho Fundamental Pictórico (Acadêmico), pois a técnica é com base no estudo da Luz sobre o objeto, e os pontos determinam a fusão dos valores na retina.
Quais os projetos para este ano?
Este ano estou trabalhando somente peças em grandes dimensões (100cm x 90), intercalando com as aulas e produções a Lápis e Óleo.
Conheça mais:
Interessou pelo trabalho do artista? Você pode ter acesso às aulas, prints e obras pelos links abaixo.
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