Imagine Mato Grosso no final do século XIX. A Vila do Rosário do Rio Acima (hoje Rosário Oeste) era a última fronteira do Médio-Norte. Dali para cima, só garimpos e mata fechada. Ninguém imaginava a prosperidade que o agronegócio traria a toda a região, e muito menos a possibilidade de exportar produtos mato-grossenses através do Porto de Santarém, no Pará. Mas um visionário já antecipava o futuro promissor: Arthur de Campos Borges, um pequeno agricultor de Rosário Oeste, como gostava de se auto-denominar.

Seringalista, produtor rural, empreiteiro, escritor, livre-pensador, imaginou ferrovias cortando Mato Grosso e o Pará. Para mapear o trajeto, aos 33 anos, em 1896, fez a primeira expedição fluvial de Rosário Oeste até Santarém. Mesmo atacado pela malária, Arthur chegou a Santarém levando a borracha produzida em sua fazenda e depois ao Amazonas, trazendo de Maués uma carga de guaraná para comercializar aqui. E mapeou tudo, os rios, as serras, as picadas na mata, os precários caminhos então existentes.

Com a expansão do cultivo da seringa, o transporte rodoviário passou a prevalecer sobre o ferroviário, mas Arthur insistiu na ligação com os portos de Santarém. Importou o primeiro caminhão a rodar em Mato Grosso e abriu, por conta própria, os primeiros quilômetros do que viria a se tornar um dos mais importantes corredores de exportação do país, a BR-163, cuja pavimentação foi concluída em fevereiro deste ano. Através da lei 523, de 1909, o Coronel Pedro Celestino Correa da Costa, vice-presidente do Estado de Mato Grosso, concedeu a Arthur de Campos Borges autorização para construir uma estrada “adaptável ao tráfego de automóveis industriaes” (caminhões). A futura BR ligava Várzea Grande à antiga Vila do Rosário do Rio Acima e seguia para o Norte em dois ramais, o primeiro rumo ao Rio Juruena e o segundo em direção ao rio Arinos. A extensão total seria de 1 mil km.

A história deste visionário agora está à disposição dos leitores e estudiosos, graças à iniciativa do neto de Arthur, o fundador e ex-presidente da Fiemt, Otacílio Borges Canavarros, que decidiu reeditar a saga do avô através da Carlini & Caniato (Editora Tanta Tinta Ltda). Quem ler se deliciará com o legado de um visionário, um homem muito à frente de seu tempo. Arthur de Campos Borges compartilha, de próprio punho, suas vivências, ações e ideias vanguardistas, relembrando as dificuldades e as lutas do empreendedor mato-grossense entre o final do século XIX e início do século XX.

A história por trás deste livro é uma história de amor ao estado e ao município de Rosário Oeste, onde Arthur passou a maior parte da sua produtiva vida. Uma vida dedicada à defesa intransigente dos direitos do cidadão e da classe produtora, que pagam seus impostos mas não recebem a contrapartida do Estado. “O dinheiro arrancado das entranhas da classe que trabalha não deve ser esbanjado para a arrogância de uns com prejuízo de milhares”, vaticinava.

Crítico das mazelas da administração pública, já no início do século passado bradava contra a corrupção e os desmandos dos gestores oficiais. Foi um dos primeiros a defender o voto secreto, muito antes de sua adoção em 1933. Defensor do controle dos gastos públicos, ousou criticar o ilustre marechal Rondon pelos gastos considerados excessivos na expansão das linhas telegráficas.

Elaborou o estatuto de um partido político ético e moralizador, através de seu manifesto Alvitre à Nação: o PRN, Partido Regenerador Nacional. Ali estão não só as bases filosóficas e estatutárias da agremiação, mas recomendações sobre a atuação ética dos partidários, sobre a redução do número de legisladores, limitações de mandatos para evitar a profissionalização da política, sobre os deveres dos gestores e funcionários públicos, sistemas de Previdência e o funcionamento da extensão rural e do Judiciário, entre outros itens.

Antecipando o moderno conceito de cidadania, o empresário o exercia de forma peculiar. Mais do que porta-voz do empresariado rural, Arthur de Campos Borges defendia a sua comunidade, reivindicando melhorias na educação, na saúde e na infraestrutura, pessoalmente ou através de cartas. Reivindicava e cobrava providências, com uma insistência que irritava os gestores da época.

A coletânea de cartas trocadas com os prefeitos, legisladores e presidentes do Estado revela seus conhecimentos, ideias e soluções inovadoras. Em 1941, durante visita de Getúlio Vargas a Cuiabá, conseguiu conversar por horas com o presidente e lhe entregou uma série de diagnósticos e propostas para melhorar a infraestrutura da região, abrindo caminho para o grande futuro já prenunciado.

Para o neto Otacílio, o livro pode servir de estímulo às novas gerações sobre o real sentido da palavra patriotismo e sobre a capacidade do cidadão de melhorar o sistema político e administrativo. “A trajetória de Arthur de Campos Borges nos instiga a sermos protagonistas de nossa própria história, em benefício da comunidade”, afirma.

 

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