Filmes independentes, clássicos europeus e animações obscuras,  tudo ao alcance de um clique. Parte da nossa cultura há 121 anos, o cinema ganhou mais força após os computadores domésticos e a internet invadirem nossas casas. Depois do boom do home vídeo no final dos anos oitenta, os serviços de vídeo por streaming e as versões digitais para download de grandes títulos favoreceram uma geração que tem acesso à um leque enorme de gêneros.

Numa época onde o consumo de cinema é tão intenso quanto nos anos de sua origem, sua qualidade e importância são amplamente discutidos em todos os possíveis meios. Não faltam veículos na internet que facilitem aos usuários a exposição de suas impressões e opiniões sobre os filmes que assistem. Entre fotos, vídeos explicativos e textos em blogs e redes sociais, todos tem um pedaço de opinião para oferecer sobre os filmes. O que  por um lado é maravilhoso – a democratização do cinema incita novos profissionais a se arriscarem no mercado – pode ser danoso para a compreensão do cinema em si.

Acostumados a avaliar o cinema apenas como forma de entretenimento, o público muitas vezes acaba por misturar a opinião pessoal com a avaliação técnica necessária para ponderar sobre a qualidade de um filme. Calcados na linguagem cinematográfica, os filmes estão sujeitos à uma série de definições, regras e tendências que ajudam a compreender o processo cinematográfico. Além da parte teórica, compreender os artifícios da arte e entender como cada uma das peças se encaixa complementa a dimensão do esforço e dedicação de uma equipe de produção.

Reduzidos a comentários depreciativos, produções milionárias são tratadas como dejeto e seus criadores criticados como terríveis profissionais. Sedentos por expôr sua opinião e munidos de suas expectativas, espectadores não medem palavras para expressar seu descontento. Tentando quebrar os moldes – ou até mesmo adequar-se à eles – os filmes e seus diretores experimentam novas maneiras de contar histórias e envolver o público, nem sempre satisfatórias.

O experimento – como a definição já propôe – pode resultar em fracasso mas toda e qualquer informação extraída pode ser valiosa numa tentativa futura. Como experiência, o filme também funciona como um estimulante para aquele que o assiste. Confrontados com idéias, montagens, trilhas e atitudes das mais distintas naturezas, colocamos o cérebro para funcionar e experimentamos diversas sensações que não teríamos no dia a dia comum. Nos olhos do bruxo, do agente secreto, da mãe desesperada ou na heroína superpoderosa, buscamos uma conexão que nos envolva e nos emocione quando depositamos nosso tempo em um filme. É compreensível o descontentamento quando saídos destas experiências, não sentimos a sensação de realização que buscávamos quando fomos ao cinema.

Treinados para identificar a estrutura das histórias e seus tropismos e clichês após anos de exposição à televisão e ao cinema, despejamos nossa frustração em nossos vereditos quando não compreendemos a estrutura do filme ou achamos que ela falhou de alguma forma. A crítica especializada, que pode ser ou não favorável à opinião do público, também tem sua credibilidade atacada. Ao encontrar uma análise especializada que contradiz nossa opinião, temos como primeira reação a ojeriza e negação daquele ponto de vista.

A crítica especializada é voltada para aqueles instruídos nos meandros do fazer cinema. Preocupada em enaltecer ou apontar falhas técnicas, uma critíca bem construída deve informar sem julgar e instruir o leitor com informações que auxiliem não só um melhor entendimento do filme, mas dos pontos que o fazem falhar como tal. Para entendê-la é preciso também entender os processos aos quais ela discorre. O intuito deste texto não é afirmar que não existem filmes ruins ou críticas mal escritas. Pelo contrário. Esclarecendo os fatores que compôem uma boa avaliação, o texto tenta construir com o leitor um novo conceito sobre o ver o cinema.

Assistir ao filme não é necessáriamente entender o filme. Por mais emocional e pessoal que seja a experiência do cinema para cada indivíduo – não tenho a pretensão de criar uma só ótica de cinema ou da experiência que ele compõe – compreender a teoria na qual este se baseia e os pormenores da produção que o envolve, enriquecem a leitura e complementam a experiência emocional do espectador. Às vezes nos distanciamos de uma cena ou não nos emocionamos, não por falha na atuação ou no tom da mesma, mas por nos faltar a informação necessária para o entendimento pleno da cena. Este é o propósito da resenha ou da análise cinematográfica, fornecer informações para uma leitura satisfatória dos simbolismos e subtextos do filme.

Filmes podem falhar de várias maneiras, tentando se conectar com o espectador ou tentando entregar uma história que tenha sentido, apresentar uma boa crítica, desenvolver uma sequência de ação satisfatória, uma trilha que envolva, protagonistas cativantes e podem até falhar por serem sérios e sóbrios demais – quando a proposta da história obviamente não é essa.

Identificar estas falhas e tropeços não é tão simples quanto nos levamos a acreditar. Avaliar corretamente um filme também não depende só do conhecimento técnico, da compreensão logística ou da gama de temas sobre os quais você conhece. Compreender exige uma certa sensibilidade do espectador, uma atenção aos detalhes e um cuidado para não misturar seu julgamento com a verdadeira proposta do filme. Alcançar este refinamento é um treinamento diário. Ajustar os olhos e o cérebro para perceber as intenções da produção é um jogo que só tiramos a prova real ao buscar os fatos. Nunca a sensibilidade vem separada da informação. Quanto mais sabemos sobre o filme, mais suscetíveis estamos aos seus estímulos, uma vez que cada elemento descarrega uma série de informações em nosso cérebro e estímula as mais diversas áreas.

Assistir e somente assistir não é entender. Precisamos estar preparados para nos permitir verdadeiramente enxergar e fazer sentido na experiência. A análise cinematográfica deve ser feita antes do apagar das luzes, durante o remexer-se na poltrona, e depois do subir dos créditos. A experiência não deve acabar ao sair da sala, mas extender-se para o dia-a-dia e mudar a cada nova informação.

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Thales de Mendonça tem 25 anos, é escritor e produtor audiovisual em São Paulo. Autor do livro de ficção científica “D3-VA”, trabalha no mercado há seis anos e escreve para o Cidadão Cultura às segundas feiras.

3 Comentários

  1. que filme chato Thales, viva a história!!!!!!!!!!vivoviva sobremaneira aterradora essa idéia sua de um saber anterior para poder “interpretar” um flme…só pra experts…difícil…

    • Ola André.

      “Avaliar corretamente um filme também NÃO DEPENDE SÓ do conhecimento técnico, da compreensão logística ou da gama de temas sobre os quais você conhece.”

      e
      ” Quanto mais sabemos sobre o filme, MAIS SUSCETÍVEIS estamos aos seus estímulos, uma vez que cada elemento descarrega uma série de informações em nosso cérebro e estímula as mais diversas áreas.”

      Acho que houve uma falha na interpretação. A minha idéia não é que o cinema “exige” um saber anterior, mas informação complementa a emoção.

      Obrigado!

  2. na verdade seu texto é pra iniciados(“:o propósito da análise cinematográfica”), pois que esmiuça a arte cinematográfica, oferecendo”direções”, regulando o “comércio” dos sentidos e propondo leituras específicas; como crítico, você , pra mim, é acima da média, acho que num ouve falha na interpretação(estamos exatamente hablando sobre esse) “Às vezes nos distanciamos de uma cena ou não nos emocionamos, não por falha na atuação ou no tom da mesma, mas por nos faltar a informação necessária para o entendimento pleno da cena.”
    citação de seu texto, acho que essa frase me cutucou…é isso…agradeço a continuidade…

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