Com o cigarro entre os dedos, a fumaça saía de sua boca em uma baforada limpa e seca. Entre uma pigarreada e outra, levava a mão para limpar os cantos da boca e dizia sutilmente, como se fosse tão natural falar sobre aquilo: – Sexo é o que move o mundo.

E se inclinava fazendo com que o vestido demarcasse algumas curvas do seu corpo, sabia como se posicionar para criar um quê de sensualidade e mistério. E soltava outra baforada de fumaça, batia as cinzas do cigarro e voltava a colocá-lo na boca. Seus ouvintes meio estupefatos por aquela figura ambígua ainda tentavam entender aquele discurso sexual. Falava tão naturalmente sobre sexo que deixava as outras pessoas meio incomodadas com aquela naturalidade.

Porque as palavras que saíam tão fáceis de sua boca ferina não eram proferidas tão facilmente pelos outros mortais? Diziam que era tudo pose, um personagem feito para provocar as inquietações humanas. O vestido preto parecia encurtar pelas pernas compridas e morenas, enquanto cruzava-as buscando espantar ainda mais a sua plateia.

Então punha-se a rir da situação melodramática que criara, com seu sorriso branco e a boca escancarada em um riso frouxo, com o cigarro e as cinzas se misturando a fumaça que fazia com que o ambiente se tornasse ainda mais enigmático. Dava outra baforada e dizia: O sexo é a principal moeda de troca. Com ele, podemos tudo. E trançava as pernas mais uma vez.

Começou então, a descrever uma das suas peripécias sexuais, com tamanha riqueza de detalhes, com tanta precisão, com o desejo vivo encarnado em suas palavras, revivendo com prazer aquele momento e de certa forma, praticando o ‘voyeurismo’, pois sabia que todos reviviam aquele momento que era só seu, mas que agora habitava a mente do público que lhe ouvia atentamente. Outra baforada surgiu, desprendida pelos lábios insólitos que acompanhou com o olhar felino, as sobrancelhas arqueadas, procurando se comunicar com suas feições.

Sabia que sempre alcançava êxito nas suas encarnações, nos seus personagens. Sabia o que todas aquelas pessoas sentadas em suas cadeiras almofadadas vieram buscar ali. Buscavam o riso, e buscavam participar de uma parte incompreensível do mundo que até então não conheciam, queriam vislumbrar este universo único e particular, de uma figura que se transvestia nos palcos, que incorporava a alma feminina e masculina em um único signo, regido sobre um único símbolo.

O vestido preto e os saltos altos para ornar com suas pernas desnudas traziam a familiaridade dita do universo feminino, a beleza, a sensualidade, o mistério. O cigarro que influenciava na cena, que a cada baforada fazia reinar o silêncio no teatro antigo. E as palavras, que são mais escutadas pelos homens, que falam sobre sexo, que contam suas experiências sem culpa, sem medo do julgamento, tão diferente das mulheres.

Incorporava esse personagem e se punha a filosofar sobre as questões mundanas, sobre o desejo insaciável, sobre o sexo culposo, animalesco, ritualístico, que trazia essências esquecidas pela repressão da religião, da sociedade e de todos que julgavam ser esta, uma atividade que servia apenas para reprodução, e nunca pelo prazer.

O prazer está em primeiro lugar – continuava proferindo suas palavras que surgiam como reza para os olhares curiosos, que desprendia o riso com suas palavras tortas, consideradas erradas, com a culpa no olhar da plateia e todo o seu deleite escorrendo pelos lábios cheios, pintados de vermelho. Piscava lentamente com os cílios postiços e fitava os olhares que se entreolhavam a cada frase que explodia em tensão sexual, nos quatro cantos do teatro.

De repente, sentiu em si o peso daquele julgamento, contido em suspiro pelos que o observavam. Levantou da cadeira e gritou incessantemente: SEXO, SEXO, SEXO, SEXO. SÃO TODOS PORCOS, PORQUE NÃO ASSUMEM QUE SE MASTURBAM COM SEUS DEDOS, COM IMAGENS DOS DESEJOS REPRIMIDOS, COM SUAS FALSAS PUREZAS, COM SUAS MENTIRAS CONTADAS COMO VERDADES INCANSÁVEIS.

Atirou-se ao chão e chorou compulsivamente. Arrancou a peruca de cabelos loiros e mostrou sua verdadeira face: Não sou o que vocês vêem, não sou o que vocês definem, não sou homem e nem mulher. Sou metamorfose.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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