ao meu lado,
flores mortas
sempre vivas
agora
sem vida

um quadro que cai
da parede
até a minha testa
me alcança no sono
e me acorda

da sua boca, escuto palavras
mal ditas
balbucia qualquer coisa
eu ja sei,
nao me indigna

voce do outro lado da janela
aberta
me ve e pensa
burguesa, hipocrita
eu te vejo do outro lado
e nao penso

o quadro que cai
da parede
até a minha testa
me arranca do sonho
a ferida abre e verte
sangue
eu, voce, o abandono

miséria para os miseráveis
corpos amontoados nas
calçadas, vias, bancos,
sarjetas
a solidão alvejada com lágrimas
cortantes como navalha

o corpo ali parado,
na esquina, em frente à padaria
pede migalhas do pão que voce
comprou e pagou com seu suado dinheirinho, mas o pedinte, mendigo, morador de rua, pessoa em situacao de rua, nao quer saber do seu melodrama barato, entre no seu carro sem olhar para o
lado
oculto daquilo tudo que nos mostra
o reflexo do espelho sujo
corpos empilhados, embalados em sacos de lixo, plastico, papelao, papel, pano velho, tecido rasgado, um cobertor antigo

doe a sua ignorância e seus olhos crus de enxergar dores alheias com esses óculos que nao te fazem ver um palmo à sua frente

eu te digo o que há no caminho
tropeços e barrancos, quedas e coices, mortes, odores, suores, mais mortes, sangue, muito sangue, voce, eu, o abandono

burguesinha safada
exposta pela janela aberta
seu corpo é um outro
disforme,

vive e morre na solitária condição de mulher empoeirada, sem serventia para nada, apenas ser e estar enfeitada como uma boneca vazia, de plástico, deformada pela embalagem e tudo aquilo que a abala

a bala, pode ser doce, droga ou tiro, morte e sangue escorrendo pelas ruas de paralelepípedos, os corpos ali espalhados nao contam qual foi o motivo que os levou à morar na rua
porque tem um motivo, tem que ter

ninguém escolhe
destino, desatino, eu desafino
mal verso,
rimas que me
denunciam
um corpo largado, o dedo em riste

te digo do outro lado da janela, ainda há olhares a espreitar o corpo que vive do lado de cá

o que não vê, não existe
E se vê, ignora, vira o rosto, permaneça firme no seu propósito, no seu exercício de insensibilidade

o corpo na esquina

o quadro cai da parede
quase até a minha testa
acordo,
tenho cama, aconchego, um teto,
agasalho,
me sobressaio,
o vômito
chega
na garganta,

eu passo
e nao vejo
mais
pessoas que nao sao mais
pessoas

são paulo e essa sina de dor
morte
sangue
e neblina

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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