Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Esses dias o Cidadao Cultura publicou matéria sobre o teatrólogo Agostinho Bizinoto, pioneiro das artes cênicas em Alta Floresta. Estive por lá há questão de dias e pude assistir ao novo espetáculo do grupo local, fundado por ele. Passei a refletir sobre algumas questões pertinentes à existência ao mundo das artes e dos valores que os humanos dão a determinados aspectos da vida e coisas do tipo.
Quando a floresta recebe o homem, simplesmente se desordena. Os clarões vão abrindo suas entranhas para a penetração miúda daquele que a reduz a meio de produção. Não importa o modo, mas sim o fórceps que de maneira abrupta traz à luz o que se chama de progresso. Contra arcos e flechas, ponta de lança da resistência do gentio, o concreto se arma para se fazer presente. E os andaimes do edifício consolidam a ambição, transformando-se em ganância. A tolerância que a arte dissemina vem em socorro do que se pode preservar ainda. O espetáculo trabalha muitas informações que dizem respeito ao processo de interiorização da Amazônia, ao longo dos anos de chumbo, sugere as maledicentes parcerias do capital e trabalho, e vai tangenciando o cotidiano desses aventureiros que se metem pelo meio da mata e vão desbravando suas entranhas.
Assistir a esse espetáculo foi como perceber o caminho tortuoso de retirantes em busca de água, do comer e da sobrevivência. Poderia estar em Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, todos severinos. Mas não, estão no Teatro Experimental de Alta Floresta. A história do grupo se mescla com a dramaturgia plena em que os andaimes dessa construção levam às minas de carvão de Zola, túneis que transformam homens em ratos, patrões com seus gatos a escravizar homens e mulheres pelo brilho de suas pedras. Germinal. Durma com um latido desses. Preciosa montagem do grupo que se prepara para completar os trinta anos de existência e demonstra o vigor das artes no interior do estado.
CONCRETO CONTRA-FLECHA precisa ser assistido por grandes públicos para que todos se enxerguem nessa experiência cheia de viço em que “pode-se dizer que, como num processo de escavação ou de construção, fomos adentrando aos poucos, devidamente guiados, [como quem atravessa um portal], por universos alheios – pessoais e admiráveis”. O espetáculo é uma possibilidade de compreensão do ser humano, sobretudo pelo que não traz à tona, mas indicia. Dois atores e uma atriz que simbolizam e experienciam a busca e a desolação pela conquista. O território dos próprios corpos é invadido pelo grande irmão. A força do capital devastando o seu interior. A dor da perda, o luto prolongado, tudo isso metaforizado pela morte não apenas de entes queridos, mas da própria libido, quando canalizada para algo bom. Briga de cachorro grande em que o pequeno, sem forças, sem ter para onde correr, para onde ir, acaba perdendo a luta, o título de Campeão.
Perde-se a Batalha, sim, mas não a guerra. E volta com a cortina provisória levantada, revestindo o contra-flecha para iluminar a ribalta necessária de cada dia. O teatro homenageia os que se foram sem alarde e anuncia a presença do ataúde que aguarda novas peças para compor o vestuário. Por outro lado traz a única certeza – a de que o espetáculo não pode parar.