Por Luiz Renato de Souza Pinto

Corriam os anos 1980, a todo o vapor. Depois de ter cursado um ano e meio de Engenharia Florestal (não conseguia passar em Cálculo I – três vezes matriculado na disciplina), ter largado o curso de História (fiz apenas meio semestre) e ter mergulhado no universo mágico-mítico do baixo Coxipó, engatei com o Caximir uma viagem por alguns palcos de Cuiabá, do Mato Grosso e do Brasil; e que aos poucos a gente vai contando, cada um por seu ângulo, por seu ponto de vista. Capilé tem o seu, Amauri, Balbino, Ferreira, Paulé, Toninho, também tenho o meu. O de Antonio Sodré não pode mais ser contado, pelo menos não por sua própria boca, mas pelas suas letras, poemas, desenhos. E aqui falo apenas da primeira fase do grupamento, antes da presença feminina que abrilhantou as apresentações em sua segunda fase. Mas aí é outro “causo”; fica para outra viagem.sodre2

1148076002_caximir_400x400Quero falar de uma dessas andanças. Saímos de Cuiabá para fazer um show no Teatro de Bolso, em Curitiba, mas lá chegando não pudemos fazê-lo. Os músicos não eram registrados na Ordem dos Músicos do Brasil, ficando assim impedidos de realizar a empreitada. Sem dinheiro para a permanência na cidade, o grupo se dividiu. Eu, André, Eduardo e Sodré ficamos na rua. Fomos dormir em uma praça da qual nem o nome lembro. Ao longo da madrugada fomos ameaçados de assalto e quase nos levaram o pouco que havia nos bolsos, não fosse o tirocínio de Ferreira que nos fez, e ao malandro também, ver a loucura que estava acontecendo; sermos assaltados no grito. E o poeta gritou com ele, acabando com a festa. Acho que o Marquinho, que seguiu o grupo de Uberlândia a Curitiba para se incorporar à trupe, também estava com a gente na praça.

Paulo-LeminskiDepois disso arrumamos lugar para hospedagem e até um grupo de pessoas que mobilizou público, local e materiais cênicos para nosso show; e aconteceu. Meu primo, Paulo Ricardo, amigo do Paulo Leminski, havia me passado o fone do poeta para que entrássemos em contato para ele assistir ao nosso show. Liguei, falei com o kamiquase, mas ele não pode. Naquela noite tinha algum compromisso com um canal de televisão; ficou no quase. Mas trocamos algumas palavras ao telefone. Depois pudemos conhecer a Alice e as meninas, ainda pequenas, em um bar no qual vendemos alguns livretos para livrar o estômago. Que jazz aquelas senhoras tocavam, não? Lembro-me disso porque quero falar de poesia. Não necessariamente de palavras, mas de essência.

size_810_16_9_sonia-braga-no-festival-de-cinema-de-cannesComo quase todos os finais de semana nos últimos quatro meses, tenho ido ao cinema. Às vezes nem sei o que assistir, mas pelo simples prazer de sentar-me à frente da telona e receber as informações em busca de uma emoção qualquer. Desta feita fui de caso pensado. Semana passada já havia assistido ao Rondon, sobretudo para ver os amigos em cena; Carlão, Fernanda, Lorenzo; depois o Aquarius, com a minha conterrânea Sonia Braga, belíssima; mas me interessava mesmo a discussão sobre especulação imobiliária e as imagens do Recife, ah, Recife, Veneza brasileira. Hoje fui prestar minha singela homenagem a Domingos Montagner, em sua impagável interpretação em Um namorado para a minha mulher. O cara morreu no auge da carreira, com filme em cartaz. E o que é mais impressionante: trazendo novamente a discussão sobre a arte imitar a vida, ou a vida insistindo em imitar a arte.domingos-montagner-02_divredeglobo_1280x720

Milhões de pessoas em casa, nesse horário, deveriam estar assistindo aos telejornais que informam sobre mais essa tragédia brasileira, para depois prostrarem-se paralisados assistindo às cenas do Velho Chico, cujas águas, senão o Santo, o homem, com suas línguas d’água e volteios perigosos, em forma de redemoinho. Isso tudo me lembra o velho Riobaldo e suas reflexões profundas: “Viver é muito perigoso!”.

bella poema 2Leminski morreu antes de chegar aos cinquenta anos. Já vivi mais do que o polaco e tenho a idade do Montagner. A poesia para mim sempre foi brincadeira. Digo sempre que a dos outros eu levo a sério, mas a minha mesmo é para brincar. O último livro de poemas que fiz foi em 1993, Cardápio Poético. Em 1984 eu havia lançado o Acochan Dumbrau e nele estava um pequeno poema que fiz para o amigo de meu primo:

No mar a ver navios

Lemes esquis ando

Leio poemas

lemesquiando

 

luizDesculpem-me a sinceridade, mas olho para ele hoje e penso: “que bobagem!”; E isso, seria isso mesmo um poema? A memória afetiva que me liga a essas palavras diz que sim. Não que seja um bom poema, mas é um poema! Vinte e três anos depois de lançado o Cardápio, preparo um novo volume. Agora vou de Gênero, Número, Graal.

Saio do cinema com vontade de escrever sobre o filme, sobre a morte do Domingos, sobre a brevidade da vida. E o que me vem à cabeça? Poesia. A necessidade de colocar mais poesia em minha vida. Na vida das pessoas mais próximas. Na vida daqueles em que posso fazer alguma diferença. Penso nos meus alunos. Em como posso fazer para que eles sejam mais felizes em suas escolhas, responsáveis pelos seus gostos, insistentes com os seus amores. Penso nos meus filhos, o que fazer para que a sensibilidade nunca deixe de estar ao lado da racionalidade mínima para se manter em pé.

A realidade bate à porta, como de costume. E as águas do Velho Chico, ignorando os desvios, os processos de irrigação, a transposição de suas águas, provoca novas mágoas bem lá em um de seus sumidouros. O fundo do poço engolindo traçados, ignorando os mistérios de cada ser. O poder de suas águas. “Com a água e o fogo não se brinca”, dizem os mais velhos, incansavelmente. Minha avó materna sempre dizia isso, e tantas outras coisas para as quais não dávamos ouvido. Deu nisso!

Tenho medo de escrever mais uma linha e arrebentar o horizonte das palavras adestradas que me fizeram ser compreendido. É sexta-feira, a lua enche os olhos de um marejar tremendo e lá no fundo dos olhos, a menina que habita cada grão balança o vestido de chita e solta um gemido provocante que me apavora os sentidos. O dia é só mais um. E amanhã é menos. Por hoje está muito bom, já abusei do destino. Não era bem esse o texto, mas já que pintou, Domingos e Paulo, eu assino!

*Luiz Renato de Souza Pinto, poetator, escritor, botafoguense, caximir, é professor – um senhor doutor! 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

Comentário

  1. caxinha de fosforo, cardapio, andanças e acochan são sensacionais sim, merecem reedição encadernados com lux, poesia de guerrilha pela vida que o bella soube bem traduzir..que saudades..sentei num bar te papo..era assim? abs

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