Por Isabela Bonilha*
Quem pensa na palavra Carnaval, no Brasil, e em todo o campo semântico por ela representado (escolas de samba, trios-elétricos, axé e frevo), dificilmente a associa à cidadezinha de Guiratinga, no interior do Mato Grosso, localizada na bacia do Rio Garças e contando com o imenso número de 12 mil habitantes. De fato o Carnaval para as bandas de cá foge do clichê carnavalesco brasileiro, mas quem nasce aqui já está para lá de acostumado ao “tum-dum tum-dum-dum-dum”, que faz os adultos correrem para as portas de suas casas e as crianças esconderem-se embaixo de suas camas. O barulho vem da bateria do BLOCO DOS CARETAS, ou CARETÕES, como são popularmente conhecidos na cidade os foliões que resolvem vestir seus roupões e capuzes de chita, suas máscaras artesanalmente feitas moldadas em barro e jornal, e sair pelas ruas pulando, dançando e jogando talco nos passantes.
Essa espécie de ritual é comandada pelo seu Dejair e sua família que, há mais de 50 anos, dedicam-se à arte de embalar a bateria e desenvolver as máscaras usadas no bloco. O processo se dá da seguinte maneira: primeiro, é feito um molde em argila. Depois, diversas camadas de papel (jornais antigos, cadernos usados) e cola são depositados em cima do barro. Espera-se secar e o acabamento é dado com tinta, verniz e apetrechos que incluem dentes de boi, cabeleiras artificiais e, para os mais tecnológicos e espalhafatosos, luzinhas de LED. Os roupões e capuzes são feitos pelas costureiras locais e guardados de carnaval para carnaval, até que nãos sirvam mais e passem para os irmãos mais novos, vizinhos, primos ou a quem interessar possa. Não tem problema: quanto mais velho, melhor.
Há, no Brasil, manifestações parecidas em algumas regiões, assim como na África e em Portugal. Ao que parece, a tradição Guiratinguense conecta-se a diversos povos que falam o mesmo idioma.
Num mundo onde tudo é exposição, participar dos CARETAS é uma forma de libertar-se das amarras cotidianas e se embrenhar num mundo de anonimato que passa por diversas ruas da cidade, andando a pé, ao som de uma bateria no estilo fanfarra, que guia os foliões pelo trajeto que vai acabar desembocando no centro da cidade, onde acontece uma grande concentração de folia. Colocar a máscara é tirar a máscara que se usa todos os dias e deixar o instinto mais infantil brincar e gritar enquanto se caminha pela cidade. É inevitável. Quando me dou conta eu estou correndo, tentando cativar as criancinhas, jogando talco e água na cabeça dos adultos, pulando e dançando as antigas marchinhas de carnaval que sei desde que nasci. Ninguém sabe quem sou, já não tenho obrigação nenhuma de ser eu.
Para aqueles que se interessaram em participar dessa folia que envolve as mais diversas formas de cultura e arte, mas não abre mão do axé e dos sucessos do momento, calma lá: Guiratinga também conta com carnaval de rua gratuito, onde os foliões brincam tranquilos e em segurança, e o carnaval de clube, denominado CARNAVAL DAS MEMÓRIAS, festa à fantasia regada à marchinhas tradicionais.
Se você é de fora e está pensando seriamente em vir pra Guiratinga participar dos CARETAS, atenção:
- O QUE PRECISO LEVAR PARA O BLOCO?
Um roupão e um capuz feitos de chita ou de tecido à sua escolha, devem ser providenciados para o bloco. Uma garrafa de talco também, pra você ser um típico caretão.
- MAS EU NÃO TENHO MÁSCARA, E AGORA?
Calma, calma, não criemos pânico! O aluguel da máscara está incluído na sua inscrição para o bloco, que pode ser feita antes ou no dia. O valor da inscrição gira em torno de 10,00 reais. Na hora da concentração você escolhe a máscara que mais lhe agrada, e que melhor se encaixa no seu rosto, pois elas são feitas de barro e papel e possuem diversos formatos.
- CRIANÇAS TAMBÉM PODEM PARTICIPAR? SIM! Além dos Caretões, há o bloco dos CARETINHAS, onde as crianças participam da festa, de máscara roupão e tudo, acompanhados pelos pais.
AGENDA DO BLOCO:
CARETINHAS: 22, 23 e 24 de fevereiro. Saída às 17:00 horas, do ginásio redondo.
CARETÕES: 25, 26 E 27 de fevereiro. Saída às 17 horas, do ginásio redondo.
DEMAIS PROGRAMAÇÕES DA CIDADE:
CARNAVAL DE CLUBE MEMÓRIAS DE GUIRATINHA: 24/02. Reservas de Mesa e ingressos com Raquel Gabriel (facebook).
CARNAVAL DE RUA: 25, 26, 27 e 28/02, no centro de Guiratinga.
*Isabela Bonilha - Formada em Letras Português e Literatura pela UFMT, professora,
escreve desde os oito anos. Tem um blog que nutre desde os 13: Um Vagabundo e
as Estrelas. Apaixonada por arte, gosta de pintar, costurar, customizar e
alterar coisas ao redor, mas se encontra mesmo na escrita. Escreve para espantar
os fantasmas da Depressão que vem desde a infância. Seu cenário é o Cerrado e a
cidadinha de Guiratinga, na qual nasceu e foi criada.
delícia de texto, delícia de memórias que vazaram…
“Há, no Brasil, manifestações parecidas em algumas regiões, assim como na África e em Portugal. Ao que parece, a tradição Guiratinguense conecta-se a diversos povos que falam o mesmo idioma.” Isabela você já fez alguma pesquisa? gostaria de saber. Sua matéria me levou pra d’baixo da cama da infância, perdi vários “chinelos” nessa correria e alguns “tampões” de dedos…
André! Kkkk que bom que o texto te causou tudo isso! Nunca fiz uma pesquisa científica, mas já assisti a muitos documentários, e conversei inclusive com o pessoal dos Caretos de Podence, de Portugal. Mostraram-se interessados em um intercâmbio cultural, mas difícil levar pra frente sem incentivo $$$ rs
Também vi uma manifestação africana, me passa seu e-mail que vou te mandar os vídeos! Tem uma moça Guiratinguense que fez uma dissertação de mestrado a respeito também!
oi Isabela o meu email : andrebalbinoferreira@gmail.com (já estou no aguardo)