Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Preparo-me para a despedida do Cariri, essa região importante que se encontra na divisa dos estados do Ceará e Pernambuco e avizinha-se ao Piauí e Paraíba. Foram cinco dias de caminhadas e pesquisas para alimentar o imaginário que não se contenta com a internet, o enciclopedismo e busca de maneira empírica extravasar a escrita pelo olhar de quem vai e pega e sente o que busca descrever e narrar.

A cada dia busco novos caminhos para conhecer os percursos da cidade e logo no segundo dia deparo-me com poemas em postes de concreto, assinados por um grupo de nome Coletivo Camaradas. POSTE POESIA me chamou a atenção pela maneira rústica e criativa com que espalha poemas pela cidade. Fui curtindo as vielas e os respectivos postes retratando instantâneos de arte em verso. Em tempos bicudos de censura à arte em suas várias modalidades, passa a ser atividade de risco participar de qualquer grupamento que vislumbre sair da pequenez de uma vida sem espaço para uma vivência artística; seja ela qual for. A cultura de massa vai se enraizando e pondo fim à diversidade riquíssima da cultura brasileira, que agoniza, mas renasce como a fulô do mandacaru em meio à seca.

Preocupa-me os rumos que a cultura vem tomando ultimamente; mas não só a brasileira. Evito falar em mau gosto, mas o que se percebe é a baixa criticidade para se elencar escolhas. O mercado oferece pouco e induz de maneira brutal o consumo nivelado por baixo. Claro que há exceções; que as relações políticas e sociais contribuem para essa uniformização do consumo estético. Mas popular não é para ser sinônimo de ruim, nem de qualquer coisa; povo é gente e gente pode fazer escolhas, precisa apenas conhecer, ter acesso, perceber a importância de se fazer boas opções.

Passei minha adolescência ouvindo alguns cantores que hoje estão completamente fora da mídia. Fagner e Ednardo, por exemplo, como o finado Belchior, dentre outros cantores/compositores nordestinos. Depois fui conhecer Alceu Valença, Elba Ramalho, Vital Farias, Elomar. Ainda que este último, sendo fazendeiro, pertença à UDR baiana (isso foi o que soube há uns vinte anos, nem sei se ainda o é!).

Agora, de passagem por aqui, ressignifico esse tempo. Daqui a pouco deixo esse Cariri, não no último pau de arara, mas de “asa dura”, direto do aeroporto de Juazeiro do Norte, essa cidade pujante, metrópole regional que concentra parte ao sul do mercado comercial e industrial do Ceará e vizinhanças. Vim atrás de coisas sobre a vida, a obra, o mito – Padre Cícero, material para finalizar o terceiro romance que finda a trilogia iniciada em Matrinchã do Teles Pires, que em 2018 comemora vinte anos de existência.

No início do ano passei por aqui, indo direto para Assaré, atrás de histórias do Patativa, Nova Olinda, para conhecer a (já) quase lendária figura de Espedito Seleiro; e Santana do Cariri, onde pude apreciar um pouco das belezas naturais do Araripe. Apenas tangenciei as cidades do Crato e Juazeiro, prometendo voltar par conhecer um pouco deste chão. Cá estou, há cinco dias na região metropolitana do Cariri experimentando esse jeito de ser.

Subi a colina do Horto a pé, como muitos romeiros fazem, visitei museus, comprei livros, ouvi histórias, contei histórias de amor. Agora já conheço um pouco da região para poder escrever sobre, experimentar. E a boa nova é que voltarei em março. Faremos uma feira de poesia no Crato, produção conjunta com o hostel Kariri, o primeiro da região a entronizar o conceito de ocupação compartilhada do espaço e também com o Coletivo Camaradas, que divulgo aqui, embora tenha feito apenas um contato inicial via redes sociais, mas Felipe Diniz, do Hostel Kariri fará as vezes de coordenador dessa proposta.

Fiquei hospedado no quarto intitulado Espedito Seleiro, cada qual homenageia uma figura ilustre do sertão. Deixei livros para vender na livraria Nobel, aqui da cidade, presenteei algumas pessoas com exemplares do Duplo Sentido e do Flor do Ingá, divulguei o nascimento de Gênero, Número, Graal, um dos vencedores do Prêmio Mato Grosso de Literatura, ano 2016, na categoria poesia – ao lado de Entraves, de Divanize Carbonieri.

Carlos Barros, meu parceiro em Duplo Sentido, confirmou presença com o Buffet de Poesia em nosso evento de março de 2018. Clovis Matos, que veio de Cuiabá trazendo o projeto Inclusão Literária, para a Bienal do Livro de Recife, também está disposto a vir. Junior Baladeira, de Ouricuri e David Henrique, de Belo Jardim também já confirmaram. Este atua como poeta/ator, músico e editor. Integra o grupo Virgulados, do agreste pernambucano.

A ideia é envolver grupos locais também, e para isso contamos com o apoio e a presença firme de atuadores das letras na cidade. Como disse, foi pelos postes que conheci o Coletivo Camaradas, de quem Junior Baladeira me deu os contatos: Ricardo Alves e Alexandre Lucas. Já estou achando que vai bombar. Arte de rua, poesia alternativa, música de qualidade. Para sobreviver no cenário fora do eixo é preciso qualidade, foi se o tempo em que o alternativo era sinônimo de improviso.

É sempre um prazer enorme voltar ao nordeste. Mas voltar para casa também é muito gratificante. Minha avó materna, de quem adquiri o hábito de contar histórias, sempre dizia em sua simplicidade dos tempos de antanho: “quem não vai, não vem”. Vou para poder voltar. Em 27 de dezembro aporto em Petrolina para novo passeio, e em março do vindouro ano a gente volta ao Cariri para romper as barreiras do silêncio e fazer muito barulho: põe sai nisso!!

*Luiz Renato é poeta, ator, professor e escritor.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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