Ao longo do período de estudos da obra de José de Mesquita fui adquirindo alguns de seus livros que conseguia em sebos, como “A Terra do Berço!, de 1927, “Gente e coisas de Antanho”, de 1978, dentre outras. Minha versão de A “Terra do Berço” foi comprada por apenas um real. Está sem capa, mas não faltam páginas e guardo-a como um tesouro entre meus pertences.

Indo a São Paulo adquiri todos os volumes da coleção de “Revista de Cultura” do Rio de Janeiro em que havia algum de seus textos publicados. A publicação circulou de 1927 a 1945. Para se ter uma ideia, Dom Aquino Correia, ícone das letras de Mato Grosso, tinha onze textos publicados na coleção, Mesquita, mais de sessenta. Virgílio Corrêa e outros mato-grossenses ilustres também colaboraram nesse veículo. Há que se registrar que era uma publicação mantida pela igreja católica e veiculava um sem número de artigos e matérias que, vez por outra, levantavam o tom para combater o comunismo, que ora volta a incomodar os dirigentes políticos nacionais.

No ano em que foi criado o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT), 1919, José de Mesquita publica seu primeiro livro. “Poesias” é dividido em quatro partes, a saber: Do Amor, Da Natureza, Do Sonho e Da Arte. Adquiri meu exemplar no Estante Virtual, site que congrega mais de mil sebos de todo o Brasil com seus catálogos disponíveis para compra on line e entrega em sete dias, via de regra. Por esse paguei um pouco mais caro, R$ 90,00; isso em 2003.

Esse livro é uma raridade. Publicado quando o autor tinha vinte e sete anos de idade, apresenta traços parnasianos e românticos em seus registros, que fazem de sua poética fruto de um tempo de transição. Aspectos modernistas em sua escrita irão surgir pouco mais tarde, por volta da década de trinta, sobretudo na prosa.

Vinte e sete anos. Idade com a qual morreram Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Brian Jones, Kurt Cobain, Amy Whinehouse e tantos outros.  Mesquita faleceu no ano de 1961, com sessenta e nove anos de idade. Formado em direito pela faculdade do Largo de São Francisco, foi orador da turma que tinha entre os formandos o modernista Menotti del Picchia, o que põe em evidência a qualidade da oratória.

Reproduzo a seguir o poema que abre o livro, intitulado “Prelúdio”, como forma de enaltecer a escrita desse homem das letras que, tendo a Dom Aquino Correa como preceptor, conseguiu levar a poesia para mais longe, sobretudo por não escrever apenas sob a égide de questões religiosas, como seu antigo mestre.

 

Eu imagino uma mulher

que eu hei de amar e me há de amar,

e que eu, esteja onde estiver,

a todo tempo, hei de encontrar.

 

A´força já de imaginal-a

sinto-a real diante de mim:

vejo-lhe o riso, ouço-lhe a fala…

Já se viu caso extranho assim?

 

Constantemente eu imagino

a hora ditosa della vir

e, emtanto, o meu cruel destino

não m´a fez inda descobrir.

 

Em quantas outras julguei della

ver as feições e me enganei !

Nenhuma era tão meiga e bela

como essa que eu imaginei !

 

A´s vezes cuido vel-a andando

nas ruas, entre a multidão,

e vivo sempre me enganando

nessa dulcíssima ilusão.

 

Já a vi nos templos e nas praças,

nas rézas e nos carnavaes,

e, a rir, por dentro nas vidraças,

como nas telas medievaes.

 

E nunca a vi… E sempre a vejo…

E ando a buscal-a sem siquer

saber quem busco em meu desejo,

sem conhecer essa mulher…

 

Quando a encontrar como hei de amal-a !

que imenso, alucinado amor !

mas quando, como hei de encontral-a  ?

há tanto sonho enganador…

 

Não obstante eu imagino

que hei de encontral-a, onde estiver,

a esfinge atrós do meu destino,

essa fantástica mulher…

 

E´uma mulher que tem da onda

a mysteriosa alma no olhar

e um riso, como o da Gioconda,

de uma beleza singular.

 

E´uma mulher? E´uma menina?

Precisamente eu não o sei.

Minha alma apenas a imagina

mas não sei mesmo si a verei…

 

Mas hei de vel-a, onde estiver…

Há de o destino m´a indicar,

porquê ella é a única mulher

que eu hei de amar e me há de amar.

 

Embora seja um poema marcadamente romântico, distingue-se, por exemplo, da geração de Álvares de Azevedo e Junqueira Freire (autor da epígrafe do livro), apresentando uma mulher que, em que pese a idealização, o eu-lírico deixa claro ser fruto de sua imaginação. E acredita ser possível o encontro. Não se trata de elucubração à sombra de noites na taverna na busca incessante de realização pelo álcool, de seus desejos profundos.

A ideia de um amor para toda a vida, cantada e decantada em verso e prosa desde que o mundo é mundo, está presente. Ocorre uma materialização interna desse vulto, em todo o campo perceptivo. Também o martírio dos desencontros se faz presente. A certeza de já ter sentido isso em outros rostos percorre o texto e a marca ilusória também (dulcíssima ilusão). O superlativo potencializa esse sentimento no qual o mergulho se faz presente.

José Barnabé de Mesquita, na década de 20

Resolvi manter a grafia original do poeta, a fim de transportar o leitor para um tempo pretérito e possibilitar assim maior reflexão sobre a temática e a possibilidade de atualização do discurso para os dias de hoje. Literatura comparada se faz com obras de autores diferentes, épocas diferentes, obras de um mesmo autor, temáticas similares, ou sentimentos comuns, como também em outras combinações possíveis e imaginárias.

Se você, que agora me lês, atentar para os versos em que as iniciais maiúsculas encetam o discurso, terá condições de analisar mais profundamente o que seria uma projeção do eu-lírico e o que seria mero artifício estético da construção versificada.

Termino minhas considerações chamando a atenção para o senso de equilíbrio que faz da poética de Mesquita algo intermediário entre as influências parnasianas, herança possível do preceptor e o legado romântico com o qual dialoga no conjunto de sua obra. Refiro-me à décima estrofe, em que o traço apolíneo encontra na figura a Gioconda a referência máxima, equilibrada, como são todos os quarenta e oito versos com oito sílabas fônicas cada um e rimas entrelaçadas que atravessam as doze estrofes.

Que a poesia continue habitando os espaços vagos de nossa existência!

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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