Subir as escadas estreitas do Cine Teatro até a sala de projeção, levar alimentação para galera que, lá dos bastidores, faz tudo acontecer, acompanhar de perto a correria, a função toda que envolve organizar um festival de cinema, com participação de pessoas de todo o Brasil, atender cineastas, atrizes, atores, produtores, daqui, ou de outro lugar, resolver problemas que surgem no caminho, inventar, exercer a criatividade, traçar novas rotas. Tudo com o objetivo coletivo de entregar filmes, que dão conta de toda a dimensão da produção nacional. Lembranças que invoco agora, com muito carinho e nostalgia, ao lembrar de uma das minhas primeiras atuações profissionais. Lá no longínquo ano de 2009, quando estive na produção do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, o Cinemato.

A nossa história não começou ali, naquele primeiro dia, quando peguei o ônibus errado em direção ao INCA e me atrasei para participar da reunião, em que me passariam as orientações para iniciar o trabalho. Minha relação com o Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá começa ainda na infância, quando acompanhava os meus pais em exibições de longas, médias, e curtas-metragens, que surgiam naquela tela imensa aos meus olhos de criança. Ali, sentada naquelas cadeiras, descobria um universo criativo e lúdico do cinema brasileiro e mato-grossense. Memórias que estão guardadas e povoam a minha subjetividade.

Debates dos filmes após exibição fomentavam o conhecimento e o intercâmbio cultural – Foto: Protásio de Morais

São muitos os desafios para a realização de um festival de cinema. O valor de uma empreitada como essa não é monetário, é um valor que transcende o material e se impregna na nossa pele, carne, sangue, ossos. Lembro das cenas que vivi quase como um filme apresentado para o público. O Cine Teatro, os artistas, o intercâmbio entre os diferentes estados do Brasil, as narrativas, a inquestionável qualidade da produção brasileira, os diálogos que se expandem a partir dessa troca, desse compartilhamento cinematográfico.

Foi com o festival de cinema que descobri clássicos da nossa história, mas também me surpreendi com aquilo que se faz aqui e agora. São inúmeras as atividades envolvidas para a sua realização, que sempre foi levada à frente pela vontade incansável do seu idealizador, o cineasta Luiz Borges.

A função social do Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá – Foto: Protásio de Morais

Em 2014, após um hiato, o Cinemato retornou para as telas cuiabanas, e dessa vez, fiz a cobertura do festival como repórter de cultura do Olhar Conceito. Como jornalista, acompanhei as sessões, entrevistei os envolvidos, escrevi reportagens sobre os vídeos apresentados. Mais uma vez, o choque com o conhecimento proporcionado. Naquela edição, o Cinemato homenageou Zelito Vianna, com a exibição de “Avaeté – A semente da vingança”. O filme é muito radical e conta a história do massacre dos índios Cinta-Larga, na região de Juína. Sai de lá com o estômago na boca. Entrevistei um dos atores do filme, Macsura Kadiweu, uma conversa que ficou marcada como uma cicatriz no meu corpo. Suas palavras ficaram comigo: “A selva de pedra cresceu em mim”.

Luiz Borges e Zelito Vianna na edição de 2014 do Cinemato – Foto: Protásio de Morais

Essa é só uma das películas que conheci através do festival, foram muitas histórias, personagens, possibilidades. Há um legado insuperável de cultura e arte que não pode ser esquecido. Seja aonde ou como for, o Cinemato precisa continuar. Em 2021, teremos a chance de, novamente, sermos travessia para o cinema.

Vida longa ao Cinemato!

PS: Inscrições abertas até 07/03 para categoria de curta-metragem, produções nacionais de 2019 a 2020.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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