A noite estava fria, mas o céu parecia iluminado, um dourado pálido quase imperceptível. E apesar de estarmos vivendo em tempos temerosos, e o jogo de palavras ser um cruel ardil do destino, aquela era uma celebração. Depois de um hiato, Mato Grosso voltou a receber um sopro, um vento de renovação, novos ares, pensares e revelações. A arte se mostrou jovem, contemporânea, visceral. Eu senti a fúria e a leveza dos pincéis, desenhos, esculturas, fotografias, vídeos, a sensibilidade do olhar, de todos os olhares. Os traços finos, leves, o amor a correr por todas as linhas. E será sempre vida e morte, desejo e fuga, sentido e busca. Jovem Arte.

O 25º Salão Jovem Arte moveu areias movediças em mim, ainda preciso voltar e digerir com calma, cada obra, cada detalhe. O salão estava cheio. As pessoas vinham e iam, mas na maior parte do tempo estive sozinha, absorvendo, sentindo o impacto de todos aqueles questionamentos que cresciam conforme eu ia dando a volta no último andar do Palácio da Instrução.

Adriano Milano - Foto: Carol Marimon
Adriano Milano – Foto: Carol Marimon

Foram muitas as impressões, é preciso retornar para visitar com calma e sentir novamente este impacto, que te muda, te transforma. Gonçalo Arruda e suas criaturas. Eu me senti em sua tela, era eu, era o que eu sentia naquele exato momento. Adriano Milano enforcou todas as minhas dúvidas, toda a minha ânsia, aliviou meu espírito e inquietou meu coração.

Gonçalo Arruda - Foto: Carol Marimon
Gonçalo Arruda – Foto: Carol Marimon

Pedro Ivo com sua fotografia em preto e branco, a mulher nua envolta apenas de um lençol branco, a olhar os pingos que descem no vidro da janela. Uma cidade ressoa e é Cuiabá, a fotografia foi tirada no Hotel Getúllio, ele me conta. E eu me transportei para um outro tempo.

Fotos Pedro Ivo
Fotos Pedro Ivo
Mário Neves - Foto: Carol Marimon
Mário Neves – Foto: Carol Marimon

Os desenhos de Mário Neves, sombrias guerreiras, mulheres e mistérios.

Os eróticos de André Balbino que parecem estar mais sofisticados, o traço de seu desenho é fino, algumas cenas implícitas outras escancaradas, e mesmo assim, suas figuras são perfeitamente imperfeitas.

Tentava fazer um caminho que não estivesse tão cheio, o que era uma árdua missão. Fiz duas voltas, percebo a composição que dialoga com as obras de arte.

André Balbino - Foto: Carol Marimon
André Balbino – Foto: Carol Marimon

Entro em uma sala e vejo a cena dos seios expostos, que continuam a surgir na tela, em alguns momentos são livres e em outros oprimidos, por um rolo de massa, uma carteira de trabalho, um baseado, as próprias mãos. E um homem sai da sala perguntando em voz alta o que aquilo significava, enquanto outro virava para mim e dizia: Eu entendi! É sobre direitos iguais, não é? E eu acenei que sim com um sorriso.

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Free the nipples realizado por um coletivo feminino de audiovisual – Foto: Carol Marimon

As fotografias de João Fincatto estão expostas na outra parede e sua sensibilidade termina de me arrematar, me senti rasgada pelas linhas, pela concretude, realidade, dura.

Cada sala era uma explosão. Helder Farias com sua natureza implacável, Babu78 traz a rua para dentro do casarão antigo, contrastes, Bosquê me deu um soco na cara e me senti em um de seus quadros com toda aquela morte a me rondar, que é do mundo e de todos os seres. Capitu me sublimou com a beleza, com o fantástico, um doce alucinógeno.

Babu78 - Foto: Carol Marimon
Babu78 – Foto: Carol Marimon

“A gente vê que é assim, seja de longe ou de perto, no errado e no certo, na fúria e na calma”. A roda do amor de Gervane de Paula. E eu rodei. E precisava sentir que a arte é tudo isso. É amor. É fúria, devoção, devaneio, sonho. Os desenhos surrealistas de Hugo Alberto. Os rupestres de Joari, Junne Fontenelle com seu painel do Pantanal, todos me preenchem.

Gervane de Paula e a roda do amor - Foto: Carol Marimon
Gervane de Paula e a roda do amor – Foto: Carol Marimon

A noite fria foi se tornando inesquecível, nomes jovens e antigos, com todo o frescor da arte, vida que transborda. É rejuvenescedor saber que Mato Grosso tem tantos talentos. É difícil falar de todos, precisaria de muitas linhas. E eles precisam ser devorados por inteiro. Por todos. São nossos. E em grande parte, toda esta agitação, se deve a animadora, provocadora, a nossa maga das artes, Aline Figueiredo.

Só prometo que ainda discorrerei com calma e muito amor sobre as gavetas de minha mãe, Anna Marimon, que não só sua história é contada ali, mas a minha também. E foi revigorante ver a curiosidade das pessoas em sua obra …E o tempo. Desengavetando.

Foto: Protásio de Morais
Foto: Protásio de Morais

E guardarei outras linhas para falar de João Sebastião. Nossa oncinha e sua profética farsa política. Morrer para Cuiabá não será morrer para sempre para você João. Não iremos deixar. Eu volto para te visitar e te escrever. Não para te decifrar, não tenho essa pretensão, eu só quero sua presença em mim. Eu sei que você se faz presente onde a arte está, porque a arte é jovem. E o vento soprou forte.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

5 Comentários

  1. Adorei seu texto, está de parabéns, como não participei do Salão este ano, por estar aqui em Salvador, e estava preparando uma exposição, não deu jeito para que mandasse algum trabalho, mas me senti ai com sua explanação, as fotos dos trabalhos, sua mãe abrindo as gavetas fale com ela que adorei. No mais só tenho que agradecer em ter tido a oportunidade de ter o seu texto para assim eu me deliciar. Grande abraço á sua mãe e a você meu beijo.

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