Por Geni Núñez

O modelo manicomial conserva muita semelhança com o modelo prisional. Basicamente, ambos acham que removendo da vista, o “problema” some. Há aí alguns pressupostos: a) de que o problema está localizado na pessoa, bastando removê-la para que a paz volte. Pensando no sistema carcerário, temos quase 1 milhão de pessoas encarceradas. b) ambos os sistemas apostam que a reclusão trará crescimento subjetivo, social aos sujeitos. Não só isso não acontece, como ocorre um agravamento severo da situação. c) mesmo que a reclusão compulsória fosse algo massa, sabemos que ela na maioria das vezes é seletiva, falaciosa (principalmente por conta do racismo estrutural, mas não só).

Na noção de loucura, por ex, sempre foi posta a mais diversa gama de pessoas “rebeldes”. Na de criminoso, também. Para a punição, não se trata do que é feito, mas de quem o pratica (ou é suspeito de). Se estes sistemas não funcionam do ponto de vista da promoção da saúde e diminuição dos diferentes sofrimentos, em vez disso agigantam as injustiças sociais, por que os defender? Até que ponto nossa ética de vida merece ser tão drasticamente flexibilizada a ponto de defendermos sistemas que favorecem o genocídio da população negra e indígena e olharmos pra essa chacina como uma simples ressalva de um projeto?

Quando uma pessoa é encarcerada, em tese, a punição seria “apenas” a restrição de liberdade, no entanto, a população carcerária é punida com a fome, com a tortura, com a falta mínima de cuidados de saúde, etc. Isso tudo é autorizado simbolicamente através do merecimento moral.

Uma pessoa que tenha agido de maneira equivocada, violenta e afins deve ser responsabilizada por seus atos, mas responsabilização não se faz com privar essa pessoa de seu trabalho, de sua família, amigos, de sua rede de apoio. O ideal punitivista opera em nossas realidades cotidianas o tempo inteiro.

Nessa ideologia, o acolhimento às vítimas só pode ser expresso através da punição dos agressores. Precisamos desassociar esses dois processos, pois cada um demanda respostas e estratégias diferentes.

Cabe nos questionarmos e construirmos a resposta da pergunta: como responsabilizar sem ser punitivista?

Geni Núñez, Guarani, ativista no movimento indígena, sapatão, não monogâmica. Mestre em Psicologia e Doutoranda em Ciências Humanas (UFSC). Pesquisa colonialidades.

Comentário

  1. Essa é uma questão URGENTE, as prisões que temos são depósitos de gente jogada ali, sem nenhum estudo do perfil psicológico da pessoa, das condições em que ela foi criada, das oportunidades de estudo e aprendizado de uma profissão que no mais da vezes lhe foram negadas. Apesar de não atuar na área criminal, por algumas vezes tive que interceder em favor de detentos que toda a comunidade dizia serem inocentes, fato que me levou a conhecer prisões e as condições precárias em que eram alojados, tendo que fazer suas “necessidades básicas” dentro da própria cela. A tão falada ressocialização é praticamente impossível, nas situações que presenciei em dois grandes complexos no Rio de Janeiro. No país inteiro poucas prisões oferecem profissionalização a fim de possibilitar que o detento saia dali em condições prover o próprio sustento. São muito poucos os profissionais especializados em identificar os diversos perfis psicológicos, para possibilitar um tratamento eficaz contra a reincidência e diminuir o índice de criminalidade pós cárcere. O Brasil precisa um olhar mais atento a estas situações, em vez de simples depósitos de flagelos humanos poderíamos ter mais profissionalização nos presídios.

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