Com uma agravada crise política e institucional, o Brasil passa, agora, pela turbulência do processo eleitoral. Em um país polarizado, com a eleição mais pulverizada e imprevisível desde a redemocratização, o cenário divide não só opiniões, mas paixões. De um lado do espectro político, temos Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-presidente que comanda as peças do tabuleiro encarcerado na superintendência da Polícia Federal em Curitiba e é o preferido entre 39% do eleitorado brasileiro, do outro lado, o capitão reformado do Exército, deputado federal há 28 anos, Jair Bolsonaro, conhecido por não reconhecer direitos humanos, exaltar torturadores e defender a ditadura militar, além de protagonizar as manchetes proferindo comentários infames, machistas, misóginos, racistas e preconceituosos.
Diante deste cenário, que se acentua com a operação Lava Jato, espetacularizada pelo “super” juiz Sergio Moro, o Judiciário ganha protagonismo. Mas quais são os reflexos disso na prática? Para debater o tema, o 8º Congresso Brasileiro de Sociedades de Advogados promoveu o painel “O Regime Democrático e a Judicialização da Política Nacional”, com participação dos palestrantes, Sérgio Fausto, superintendente-executivo da Fundação FHC, e Beto Vasconcelos, sócio de Xavier Vasconcelos Valerim Advogados.
Crise e oportunidade
Responsável por tratar sobre “A crise e oportunidade da democracia representativa”, Sérgio Fausto relatou que este fenômeno da judicialização da política não é uma idiossincrasia do Brasil, mas que também se observa em outros países da chamada 3ª onda democrática, que se estruturaram em torno de Constituições programáticas com a expansão dos direitos difusos, criando uma esfera da cidadania, associada e resguardada pela Carta Maior. Outra mudança significativa advinda da Constituição Federal de 1988 são as prerrogativas atribuídas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Ministério Público.
“Concomitantemente ao desenvolvimento dessas Constituições programáticas com ampla previsão desses direitos difusos, há um desenvolvimento em todo o mundo chamado estado administrativo. O surgimento de agencias que são constituídas, presididas e dirigidas por agentes políticos não eleitos e que produzem legislação. Tem eficácia de lei e em relação às quais cabe recurso judicial. A revisão judicial das decisões desses órgãos técnicos é o principio que se mantém, o que significa a convergência desses dois fenômenos. É que o campo da disputa política passa a imbuir de maneira central a dimensão jurídica. Não há nos últimos 30 anos da história brasileira questão importante que não tenha passado ou sido decidida por alguma esfera do judiciário brasileiro”.
Com isso, partidos, associações, sindicatos, confederações e entidades propõem Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) no STF, o que acaba gerando uma tensão constante com os atores do Executivo e do Legislativo, conforme avaliação do palestrante, Sérgio Fausto. Além disso, também elencou que outra forma de judicialização da política é quando o Ministério Público, no exercício de suas funções invade competências do legislador e do executivo, substituindo-os na formulação de políticas públicas, ultrapassando seus limites constitucionais.
“Este fenômeno é exacerbado no Brasil porque a sociedade e os partidos descobriram o caminho da pedra, que a Constituição lhes assegura instrumentos de acionamento da Justiça, que é uma arma importante para fazer valer a letra da lei. Com uma enorme crise de representação política, existe um esvaziamento dos Poderes Legislativo e Executivo, criando esse ambiente de excessiva judicialização da política. Primeiro porque a excessiva fragmentação e dificuldade de formar consensos no Legislativo e na relação com o Executivo, leva ao nascedouro de leis ambíguas. O Legislativo, na dificuldade de dirimir seu âmbito de conflitos, posterga esse problema para o Judiciário, sabendo de antemão que dada às ambiguidades e ambivalências, essa matéria votada terminará sendo objeto de questionamento judicial”, explicou.
Contudo, essa atuação cada vez mais forte do Judiciário para solucionar os problemas de ordem política, acaba fomentando outra crise: “Qual o maior risco desse fenômeno que se exacerbou no Brasil, de judicialização da política? É que haja a politização do Judiciário. Não necessariamente que juízes passarão a responder a comandos partidários, mas eles passam a ter atuação como se fossem atores políticos. O custo disso é engolfar o Judiciário na crise brasileira, pois também passa a sofrer da suspeição. O risco da crise do Judiciário não se auto restringir, é abrir espaço para que surja no horizonte, se não a perspectiva, ao menos a possibilidade presente no desejo de muitos, que a lei e a ordem passem a ser ditadas pelo instituto do governo militar e isso é grave para a democracia”, avaliou Sérgio Fausto.
Enfrentamento da corrupção
Já para abordar o tema sob o viés do “Enfrentamento da corrupção, sistema político-eleitoral e democracia: avanços e desafios”, o advogado Beto Vasconcelos discorreu sobre as mudanças a nível global, que formaram um regime internacional de proibição, com combate à corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado, principalmente com as medidas aprovadas em convenções para enfrentar a guerra às drogas.
É através destes acordos internacionais, dos quais o Brasil participa, que começou um processo de transformação, tanto da legislação com a criminalização de várias condutas, quanto no nível institucional. Entre os fenômenos oriundos deste movimento internacional, citados pelo palestrante, constam a transparência, o fortalecimento institucional, a expansão legislativa e a mutação jurisprudencial.
Beto Vasconcelos pontua que estas mudanças foram implementadas a partir de alterações do ordenamento completo, de todo o arcabouço jurídico, a partir dos anos 90, com as Leis de Licitações, Improbidade Administrativa, Lavagem de Dinheiro, Responsabilidade Fiscal (LRF), Acesso à Informação, Conflitos de Interesse, Anti Corrupção, Crime Organizado, Estatais e de Leniência.
“São quatro fenômenos que resultam em um processo, que ultrapassou o ponto de retorno, e dificilmente se descontruirão. Existe uma mudança de paradigma sobre a relação de responsabilidade entre o Estado e a sociedade. No Brasil, temos um controle de constitucionalidade amplíssimo, que somado a um número imenso de legitimados para questionar a Constituição ou a aplicação da mesma, e a um comportamento ativista e não autocontido do Judiciário, temos resultante disso, um papel fundamental ou proeminente do Poder Judiciário, com as possibilidades de crise e de aguçamento dessa crise anteriormente mencionadas pelo Sérgio”, concluiu.