Tarde arrastada
Cidade em quietude
Sem pressa
É feriado
Dia morto
Do trabalhador
Dia torto
E direto
Como um murro
Na ponta do queixo
…
Dias difíceis estamos vivendo. Cada vez mais claras as diferenças políticas têm levado à dissolução de amizades, afetos, de compreensão e tolerância entre os diferentes pontos de vista, ou das escolhas que fazemos.
A tensão ou as tensões têm se agravado a cada eleição e no momento as disputas estão cada vez mais acirradas e passam uma impressão de que ao vencedor virão as batatas para descascar.
Um sintoma dos tempos: a não aceitação do outro, a imposição do ponto de vista sobre o outro, não se aceita que se pense diferente, mas o que é isso? O que está acontecendo?
“Outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo, entre o humanismo e o niilismo”, escreve Achille Mbembe, um alerta: “A crescente bifurcação entre a democracia e o capital é a nova ameaça para a civilização”. – Achille Mbembe (1957, Camarões francês) é historiador, pensador pós-colonial e cientista político.
E com o ódio se instalando, a disputa acirrada pelos territórios do pensar, do fazer, da criatividade, são colocados em cheque e no futuro imaginado estamos ferrados – como um corte na sequência do filme que vamos fabricando. Será?
Os trovadores do apocalipse empreendem canções e versos tenebrosos. Não há futuro. Não há perspectiva de nada. Será?
…
A rua está vazia.
Hoje é segunda-feira e estou mais uma vez de saco cheio. Mas essa sensação parece com sensação de impotência que é o esvaziamento das possíveis surpresas que possam advir um dia após o outro.
A visão do apocalipse vem assim fragmentada como é
a vida
com as suas consequências
sequências entre-cortadas
como o próximo roteiro
a gente nunca sabe o que vem lá
tipo acordar com um gosto de dentes quebrados logo no café da manhã
cena escatológica agora
faltam surpresas e sobressaltos nesse roteiro. Cuiabá ah Cuiabá cantam os poetas oficiais
sem porto
de costas para o rio – todos nós vazamos
o fim
com a poluição o descaso os crimes sombrios a culpa a irreversibilidade o desatino o futuro feio como as guerras e os milhões de suicidas a tripudiar da vida.
Corte. Sem plano sequência.
o velho Ferrera e suas letras afiadas.