Por Glauber Lauria*

Uma biblioteca fundada em 1827. Defronte a esta uma portada de Aleijadinho. Tento há meses devorar o último tomo de Proust, e tropeço com Goncharov. Corro aturdido até a biblioteca, a bela e jovem moça me sorri gentil: teria um livro intitulado Oblomov? Não me recordo mais o nome do autor. Ela diz que sim, mas em espanhol, elaboro um resumo da história da CosacNaïf, maldigo o país e peço para ver o livro. Remove-se uma planta de uma escada de madeira com três degraus, o livro está a uns seis metros do solo, a escada pesa uns cem quilos, sólida como o jacarandá que um dia fora, mas não o alcança. Olho os títulos que estão visíveis, Hugo, Heine, Staël. Na minha mochila Bábel, Hilst, Virgílio, é preciso terminar o contista russo, voltarei depois. Termino as delícias de Odessa, a sangueira da Cavalaria Vermelha, e ponho-me a imaginar a beleza que seria o romance A Judia, deito uma lágrima por Isaac, amaldiçoo o túmulo de Stálin e sorrio pensando em Rubem Fonseca. Retorno a biblioteca, atravesso todos os seus meandros até a última sala, aposso-me de uma escada de alumínio com quatro vezes meu tamanho e saio ameaçando as lâmpadas, sob o olhar pasmo e inseguro da funcionária, outra, nem bela nem jovem, mas também gentil; a deposito ali, lanço-me impetuoso como a um céu de livros e lá está ele, belo como um tesouro, inacessível aos mortais, editado em couro, em Madri, em 1920, são 98 anos, quase um século, muito mais do que meu mísero corpo provavelmente aguentará sobre a terra. A insegurança da bibliotecária chega ao espanto, pergunta-se porque ainda permitem emprestar-se tais raridades, penso em dizer-lhe que diferentemente de candelabros e porcelanas, livros só tem utilidades quando lidos, não são meros objetos de adorno de estantes poeirentas, mas me calo, vou retirar-me eufórico e ela olha-me incrédula, é preciso guardar a escada. Saio com o tomo em mãos, encantado com sua nobiliárquica quintessência, comprimento com um gesto contido de cabeça a velha Senhora Igreja São Francisco de Assis, adentro a universidade e vou a xerox, peço cópias, apesar do desejo ardente de entregar-me a leitura, preciso vender poemas, comprar café, cigarros, almoço, etc. Leio o primeiro capítulo antes de começar o trabalho, em pé, na calçada, fremindo como um infante, um delfim, um neófito. Peço para o belo rapaz que estaciona carros um real emprestado, compro um café e um cigarro, não são ainda dez da manhã, começo o trabalho. No primeiro capítulo Oblomov acorda as oito, ao final deste, a quase uma, ainda não conseguiu sair da cama; choro de tanto rir, agradeço a Proust, o dia começa. Você gosta de poesia?

*Glauber Lauria é poeta mato-grossense e mora no mundo. 
Nascido em 1982, publicou de forma independente o livro Jardim das Rosas em Caos, 
já participou de três antologias em diferentes estados brasileiros e possui poemas 
publicados nos seguintes periódicos Sina, Acre, Fagulha, Grifo, Expresso Araguaia 
e A Semana.

Comentário

  1. Gostei bastante, caro Glauber. Croniconto ágil, veloz, tocante e desperta a vontade de (re)ler na mesma velocidade os autores citados.

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here