Por Luiz Renato de Souza Pinto*
No Campus em que trabalho, do Instituto Federal de Mato Grosso, temos um grupo de estudo e de pesquisa que congrega o conjunto dos professores de Língua Portuguesa. É um espaço para se discutir as práticas pedagógicas, socializar as experiências de Ensino, de Pesquisa e Extensão. A convite da professora Sueli Valezi, preparei uma aula no formato de palestra para seus alunos do quarto ano do curso de Edificações, acerca da poesia concreta.
Quer dizer, era para ser assim. Mas eu mesmo sugeri a ela que convidasse nossa colega (agora aposentada) Cristina Campos para dissertar sobre o assunto, até para que alongasse sua fala para a poética de Wlademir Dias Pino, com quem dialoga há muitos anos e com quem estabeleceu uma amizade que transcende qualquer experiência acadêmica. Cristina tem conhecimento de sobra acerca do Intensivismo e da excludência de Wlademir do “Noigrandes”, como se pequeno fosse.
Aceita minha sugestão, preparei-me então para fazer uma introdução ao trabalho de Cristina quando fui assaltado por outra preocupação. Não seria melhor que eu explorasse os desdobramentos do Concretismo até os dias de hoje, estendendo seus tentáculos à grande imprensa, à fotografia e a publicidade, por exemplo? Que fizesse a interação com a poesia marginal, filhos e netos de publicações alternativas do tempo em que as mesmas necessariamente não primavam pela qualidade gráfica?
Decidi que esse seria o caminho. E fiquei pensando em como seria o encontro; Qual seria o pontapé inicial e os caminhos para o desenvolvimento a bom termo da problemática. Decidi fazer uso da obra de Nicholas Behr como eixo. Esse poetaço, na verdade, é cuiabano, criado em Diamantino e que cursou a antiga Escola Técnica Federal de Mato Grosso de onde saltou para Brasília ainda nos anos de 1970.
Meu contato com a obra de Nicholas é de longa data. Nunca pensei que fosse conhecê-lo da maneira tão inusitada como ocorreu. Há coisa de dois ou três meses, quando esteve em Cuiabá, encontrei-o nos corredores do IFMT acompanhado de Lorenzo Falcão, também ex-aluno da instituição, quando fomos apresentados um ao outro pelo poeta/contista/jornalista com quem fiz teatro de bonecos em 1982 no falecido grupo Pé de Moleque, dirigido por Maurício Leite.
Pude encontrar Nicholas em uma fala na UFMT para alunos e acampados durante paralisação estudantil, e depois no SESC Arsenal no lançamento de seus livros (comprei alguns para meu acervo). Como era noite de quarta-feira e corria meu curso de extensão “A Literatura como Ferramenta Pedagógiga para as Aulas de História”, marquei com os alunos uma aula extra, descontraída nesse lugar paradisíaco e pudemos participar do lançamento.
Era isso. Falaria sobre o impacto das ideias concretistas nas décadas seguintes, enfatizando os marginais do “Nuvem Cigana” e Chacal, para na sequência traçar o itinerário de alternativos cuiabanos com os quais eu convivi, mas usando a obra do Nicholas como uma passagem de nível para o que praticávamos por aqui. Nós, o saudoso “Caximir Buquê” (madame Quesquecê e a fina flor do côxo!).
Na verdade, Paulo Leminski representa muito bem essa passagem; acontece que o polaco pirou na batatinha antes da hora e bateu asas sem que o voo acabasse; deu uma de Torquato vivendo intensamente todas as horas do fim. Mas não se atirou do alto de um prédio como Ana C; ou mesmo Julio Barroso, de maneira absurdete. Nicholas é de outra vibe; ataca de poema pau Brasília, vive de mudas, sem ser um palhaço da burguesia.
Voltando agora em janeiro de uma viagem de vinte e quatro dias ao Nordeste, passei pela capital federal. Nicholas pediu que eu ligasse a ele quando passasse por lá que me encontraria para tomarmos um café. Como eu chegaria ao detrito federal por volta do meio dia para seguir somente à noite para Cuiabá, passamos a tarde passeando pela cidade (ele a trabalho, eu de acompanhante). Almoçamos no Beirute, curti a tour pelas vias expressas de norte a sul. Conheci pontos interessantes do planalto central de sua poesia. Hoje, assistindo ao documentário “Braxília”, compreendo melhor seu discurso, adentro a sua utopia, podendo sentir mais ou menos o aprisionamento da palavra a um contexto dialético entre sua enunciação e a produção dos enunciados.
Não caberia em mim a poética do Wlademir. O exílio da palavra e sua separação da imagem é para poucos. Acho que estou mais para um pseudo extensivismo. O conceito de vanguarda foi brutalmente deturpado pelas urgências disfarçadas de letramentos que proliferam por aí. Ainda dependo de maneira orgânica da palavra e do que ela nomeia: coisas, seres, atitudes. Wlademir está anos-luz a frente de nós. Olho para sua plástica e me retempero. Mais bonito é gostar do que entender, não tenho dúvidas.
Uma voz interna grita e me desmobiliza. Não sei como será essa minha fala, se acontecerá mesmo em forma de palestra. Sei que de concreto, para os alunos de edificações, talvez não haja nada. Não sei se haverá pedra sobre pedra em minha fala. Não sei se colocarei tijolinhos ao edifício já edificado pelos professores. A palavra aberta, a ferida exposta e a chaga contemporânea ainda sangram. O vermelho vivo, em forma de gafite, corta as veias abertas da “América Latrina”. Brasília está ferida. O tempo é de secura. A temperatura é alta; há muita falta de humildade no ar.
*Luiz Renato de Souza Pinto é poeta, escritor, ator performático e professor.