Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Hoje quero falar de livros. De um livro, especificamente, que aprendi a gostar e dar um tratamento especial, por inúmeras razões. Trata-se de Dias e Dias, de Ana Miranda, romance de um amor (imaginário) entre uma moça do interior do Maranhão, Feliciana, natural da cidade de Caxias e o poeta Antonio Gonçalves Dias. Caxias é uma bela cidade. Conheci no final do ano passado, muito em função da leitura dessa obra. Sempre que encontro em sebos exemplares do romance, compro-os, quer seja para presentear, quer seja para tê-los em casa para empréstimos aos interessados em uma boa leitura. No momento tenho três exemplares que estarão à disposição de alunos de um curso de extensão que oferecerei em breve no campus Octaíde Jorge da Silva, do Instituto Federal de Mato Grosso, aqui em nossa capital.
Quando se fala de um plano intrínseco, que una as ideias, temas e problemas da narrativa, há que se destacar os elementos que formam a temática romântica e dão suporte ao discurso premente do momento narrado. O amor impossível, o respeito extremo à autoridade paterna, o devir social instituído. É necessário se destacar o papel da mulher na sociedade brasileira de então. E nesse caso, a moldura da janela, trabalhada na questão espacial, dá conta de delimitar o papel feminino na sociedade de antanho. Inconscientemente, os desejos, volúpias e gracejos da mulher são estereotipados pela ingenuidade da narradora em seus momentos de devaneio.
Quanto ao plano intrínseco da obra, as questões manifestas ou camufladas pela narradora são todas dignas da composição romântica. Os temas, motivos e condutores, bem como a cosmovisão imanente da escritura nos encaminham para uma visão idealista sobre a qual se edifica a escrita. Questões relativas à consciência reflexiva da protagonista tomam conta do espaço e inserem-se em um contexto no qual a mulher tinha seu lugar social determinado por questões deterministas, sem margem para qualquer desejo ou devaneio.
Formalmente nos deparamos com uma linguagem extremamente romântica, com poucas brechas para a inserção de diálogos, uma vez que tudo o que sabemos de maneira externa ao discurso da protagonista nos é repassado por filtros que camuflam interesses e desejos. Os capítulos são pequenos e a caracterização das personagens encaminha o leitor para um mosaico do qual surge uma imagem protagonista de grande alcance e dos demais personagens como sombras resgatadas do fundo de um baú repleto de traças, elementos malcheirosos, mofo, de onde, segundo os filósofos das miniaturas, como Bachelard, nos dão a imagem da memória como algo estruturado como um “armário de lembranças”.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de LEAL, Antonio da Costa
MIRANDA, ANA. Dias e Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MOISÉS, Massaud. A criação Literária – Prosa I. 21 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
*Luiz Renato de Souza Pinto, professor, poeta, escritor e ator performático.