Por Thereza Helena*
Com o enunciado de que são poucos os escolhidos, o bailarino Vinícius dos Santos recebe cada um dos presentes e afirma que podem se considerar privilegiados por estar entre os 28 que naquele dia assistirão seu primeiro trabalho solo. A obra é separada em duas partes bem distintas. Na primeira, o público é convidado a se sentar num chão forrado de roupas do próprio artista e ouvir os relatos de episódios conflituosos vividos por ele.
Vinícius narra as hostilidades às quais estão sujeitas um corpo que se sabe e sente abjeto por sua orientação sexual, origem e identidade. Ele conta como se sente quando uma pessoa na rua segura a bolsa com mais força ao vê-lo se aproximar, quando os vizinhos do prédio, ao vê-lo no elevador social, perguntam se o de serviço está quebrado, e ainda da necessidade de “falar grosso” solicitada repetidas vezes por entes queridos.
Propositalmente ou não, esse deslocamento parece transferir o foco da ação vista para o texto falado. Com esse movimento, o desconforto que atinge o meu lugar de escuta enquanto mulher, branca, hétero cis, aumenta por reconhecer uma espécie de familiaridade desencadeada pela frequência com as quais as violações reveladas por Vinícius são mais do que desprivilégios só dele. São incursões abusivas reconhecíveis por grande parte dos sujeitos espremidos nos grupos de minorias.
No que diz despeito à criação artística contemporânea, que em amplo aspecto é produzida à revelia da representação, ao usar seu próprio nome, Vinícius, ao mesmo tempo em que destitui o protagonismo de uma personagem e conflitos fictícios, se lança na investigação de plasticidades e estéticas capazes de materializar o impulso criativo sem sair do foco dos estudos de si.
Texto escrito para o Parágrafo Cerrado a partir da programação “Abril em Dança” organizada no Espaço Mosaico – convivência artística, realizado de 13 a 28 de abril de 2018.
*Thereza Helena é atriz-criadora, mestranda em estudos de cultura contemporânea e provocadora do Parágrafo Cerrado.