Isabela Bonilha*

RELATO DE QUARENTENA

ISABELA BONILHA, 29 ANOS, PROFESSORA E DIRETORA ESCOLAR.

MORA EM GUIRATINGA, MATO GROSSO.

Gostaria de dizer, com as palavras mais bonitas, que esta quarentena aumentou e sensibilizou ainda mais meu coração de poeta. Que tenho olhado as coisas pequenas e me admirado com sua existência: a poeira se espalhando pelo chão liso e brilhante, o verde espalhado pelas plantas da casa que rego todos os dias, o barulho dos pássaros… Não seria uma total mentira, mas certamente seria meia verdade pois, apesar de observar e admirar tudo isso, meu coração torna-se a cada dia mais apático. Nenhuma palavra me ocorre. Meu ócio não é criativo. As poucas obrigações, às vezes, parecem fardos.

Estar enclausurado numa cidadela do interior onde nenhum caso da Covid-19 foi confirmado e onde se tem um quintal grande e as nuvens do céu colorem o final de todas as tardes não tem sido tão claustrofóbico quanto (imagino eu) os apartamentos das metrópoles. Também nunca me incomodei muito com a solidão. Sempre tive uma certa preguiça de gente. Mas, veja bem, esta manhã me peguei ouvindo sertanejo (universitário) e de lágrimas nos olhos por querer beber e dançar com meus amigos (coisas que não faço com frequência).

Se de algo me serve esta clausura, se é que se pode chamar assim, é para que eu perceba quantos supérfluos tenho em meu guarda roupas, quanto vale cada hora trabalhada, cada encontro e abraço e, principalmente, um ir e vir despreocupado sem pensar tanto em cada respiração que dou. Em cada respiração de meus pais idosos, pertencentes ao grupo de risco.

Falta-me o foco e, depois de ter passado da fase de negação, da de pirar com as notícias e da displicência (não sem dolo), chego àquela em que me questiono: que sou eu, mesmo? Esta criatura que arrasta chinelos e pés cascudos pela casa ou a que aparece na rede social? Quem é que o mundo vê agora? Às 15:40 da tarde, tomo uma cerveja quente e penso em colocar Raul pra tocar, pois “as perguntas continuam sempre as mesmas… quem eu sou? De onde venho? Onde vou dar?”. Acrescento mais algumas: quando isso acabará? E depois, como será?

*Isabela Bonilha - Formada em Letras Português e Literatura pela UFMT, 
professora, escreve desde os oito anos. Tem um blog que nutre desde os 13: 
Um Vagabundo e as Estrelas. Apaixonada por arte, gosta de pintar, costurar, 
customizar e alterar coisas ao redor, mas se encontra mesmo na escrita. 
Seu cenário é Guiratinga, na qual nasceu e foi criada.

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