Leonardo A. Roberto

Nesta segunda, 13 de setembro de um ano exausto, recebi um vídeo de um grande amigo de faculdade: “Lins hj, meu querido. Fumaça de MS”. As imagens mostravam o horizonte soturno da cidade, filmado a partir de um prédio, algo atípico para o interior paulista. Seria apenas o prelúdio do cenário que eu teria pela frente, já que estava prestes a percorrer 1.500km, desde Campinas até Cuiabá.

Quando se viaja de carro por esse trajeto a divisa de estados anuncia, de fato, uma mudança entre estados. A cenografia natural do celeiro do mundo é triste, estéril, ocre e piora a cada fronteira. Uma reta cercada por monoculturas, sibilada por caminhões de oito eixos e pela direção ofensiva de pick-ups.

Arte de Caio Matuto

No caminho, começando em Quatá (SP) e terminando em Rondonópolis (MT), pelo menos oito outdoors demonstravam apoio ao fiador do país que queima. Não há contexto melhor para se olhar o capitão reformado: sorrindo para uma estrada que rasga o país em nome da noção caduca de progresso. Atordoado pelo fato dessa figura conspurcar a faixa presidencial, percebi que não via o céu azul desde antes de Campo Grande até os arredores de Cuiabá. O que vi foram araras-canindé, antas e macacos nos acostamentos, agonizando ou mortos, sob um céu cinza. Há uma nuvem sobre o Brasil e não aquela da qual precisamos, que apaga o fogo com a chuva. A queimada, o pasto, a entressafra e a brutalidade indiscriminada constituem as figuras retóricas dessa caquistocracia e impõem, irrevogavelmente, seu modo de ser como o verdadeiro.

Arte de Caio Matuto

Natureza e expressão cultural diversa são dois esteios do país e o miliciano necrófilo mira em ambos. Já que nos sobra toda a imensa bagagem do ex-malhação Mario Frias na pasta da cultura, façamos por nós mesmos e valorizemos quem trabalha por nós: A potência da arte de @caiomatuto, designer e ativista político, surge como um fragmento de fé nesses dias enlutados. Se há resistência, há esperança.

Arte de Caio Matuto

“Sem lorem ipsum no proceder”, assim o @caiomatuto define suas colagens digitais. Cada uma carrega um universo reflexivo e uma mensagem que transita desde temas sociais e políticos até às subjetividades que habitam o ser humano.

Leonardo A. Roberto é estudante de mestrado no programa de Estudos de Cultura
Contemporânea na Universidade Federal do Mato Grosso (ECCO-PPG). 

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