Por Gilda Balbino*
Constata-se que o desejo de participação e liberdade nos cenários atuais, integra a busca por transformações da sociedade brasileira. Sedimenta sonhos materializados na igualdade de direitos e bem-estar social, integrando a história construída através da experiência, liberdade, e respeito aos limites do poder.
Por isso, nesse momento de tantas angústias e incertezas, de apologias oportunistas realizadas pela direita pela volta da ditadura militar, deveremos ser capazes de não nos deixar seduzir pelo individualismo e continuarmos construindo os caminhos que nos levarão à igualdade de direitos e deveres, sempre dialético, fraterno, contemplando os sujeitos históricos da nossa luta: os trabalhadores.
Escrever sobre os anos sessenta, final de setenta, oitenta, décadas mais reais para mim, inquieta crenças ordenadas de muitos que me leem. Rejeito, com essa releitura desses anos que vivi, o silêncio acomodado, e insurjo, subverto, transgrido e me remeto a três décadas de intensa fermentação ideológica e política da história de um povo que se politizava.
Desejo de transformar o mundo e o Brasil, criamos a utopia da instauração de uma nova sociedade para trabalhadores do campo e da cidade. A magia do novo, da mudança da entrega à luta idealizada, coletiva. Deflagrado o golpe militar, o tempo é de sombra.
Prisões, desconstrução dos movimentos políticos, sindicais, estudantis… O medo e o terror marcavam presença diária e a caçada humana, a organizações e a grupos políticos de esquerda era implacável. Cassações de mandatos, expurgos no serviço público, listas negras incentivadas por delatores. Intervenção em sindicatos e associações. Criação do SNI – Serviço Nacional de Informação. Reina a delação.
Após os anos noventa, entramos em um novo século, democrático, onde erramos e acertamos, dentro de crises mundiais do capitalismo, e hoje, sentimos a necessidade de um sentido de história, da nossa memória, da nossa obsessão e utopia. Precisamos de transgressões, insurgências.
Nos apropriarmos dos nossos sonhos para recria-los nessa realidade, tecendo imaginários capazes de sustentar a encarnação da esperança do novo. Nos forçando a nos descobrir em nossos desejos, abrindo a ordem do possível, do destino que escolhemos. Sonhando com um novo mundo onde lhe atribuímos valores e significados, incitando a efervescência. A efervescência política que vivemos acompanha momentos de decisão e crise, encaminhando mudanças e rupturas.
Antes, a intervenção político-militar dos anos sessenta, representou a ruptura dramática institucional na sociedade brasileira. O que nos importa agora? Importa muito sim. Nenhum projeto de esquerda ou de centro esquerda poderá ser viabilizado sem uma reflexão honesta sobre os mandatos do PSDB e do PT suas alianças com DEM, PMDB, promovendo o apagão de grandes e importantes capítulos da história autoritária do país.
Precisamos pensar nesse processo eleitoral que se avizinha, e nos avanços importantes que conquistamos nas políticas públicas em áreas como da saúde, educação, habitação, cultura, cotas raciais nas universidades, aumento real do salário mínimo que estão ameaçados por uma visão de desenvolvimento medíocre e predador e por uma judicialização midiática da politica. Precisamos combater e refletir profundamente sobre a corrupção. Não podemos apagar nossa memória. Precisamos enfrentar nossas contradições com serenidade e firmeza.
Não teremos retrocessos. A expectativa do acontecimento novo, da promessa de possibilidades, com intervalos, como agora, na travessia do desejo de mudança. Propor caminhos, questão essa atormentada pelo desencontro de opiniões, tem como fundo a ordem do desejo e o fascínio do sonho, da liberdade, racionalidade tocada por “ousadias temerárias”, expondo frestas que mostram visões do futuro. Inconclusas e possíveis, indo além do que está prometido. Construção como lugar de poder, de conflito, de sociabilidade, de igualdade, de liberdade e fraternidade.
*Gilda Balbino é advogada e assessora parlamentar, especialista em gerência de cidades pela FAAP.