Por Luiz Renato de Souza Pinto*

A cidade de São Paulo, maior metrópole da América latina, respira ares diferentes a cada domingo. A ausência de veículos automotivos em seu corpo permite que outros coletivos por ali se reúnam. São músicos executando suas canções, artistas plásticos em exposição, artesãos de mãos ágeis e talentosas a desvendar segredos em seus trabalhos manuais. Produtos étnicos em meio a céticos transeuntes que vez por outra atendem aos apelos que vêm do céu. Faça chuva, faça sol, a urbe não para. Os passeios são agradáveis por entre inúmeras possibilidades de consumo. Para quem está desprovido do vil metal é oferecido ar puro, o que destoa de seu cotidiano, santo protetor.

Foi a primeira vez que estive na paulicéia acompanhado de meus filhos. Claro que o que os levou até a terra da garoa não foi esse passeio bucólico, e sim, algo mais agitado. Minha filha desejava ir ao show de uma banda coreana, a BTS, objeto de desejo de centenas de milhares de adolescentes histéricas (não é o caso dela) que ocupavam o City Hall no domingo e segunda-feira últimos (19 e 20/03). Aqueles rapazes de olhos puxados e roupas coloridas promoveram mudanças profundas na cabeça dessa turma e suas mães, em grande maioria, estavam a postos para que o desejo se realizasse. O encontro com meu parceiro Luis Antonio foi tudo de bom. Abraços, Capila. Tivemos um encontro amistoso (Corinthians e Palmeiras) no qual os dois fomos vencedores.

galeria-rockMas a cidade não é só isso; nem só disso se vive em São Paulo. Um passeio pela Galeria do Rock é como uma viagem no túnel do tempo. Muitos templos, desde a contracultura. Tatoos, piercings, camisetas e adereços de todos os matizes. Jovens de todas as idades vestidos com seu pretinho básico estampado em corpos cheios de história. Um espetáculo de todas as tribos. Cabelereiros étnicos e seus riscados. Corações e mentes afetados pelo comportamento traduzido em seus corpos. Impossível não se interessar por algo exposto nas vitrines em que se vê de tudo o que se relaciona a esse estilo de vida.

Desde criança já frequentava a capital. Lembro que sempre que visitávamos a cidade meus pais nos levavam para almoçar no Almanara. A comida árabe esteve presente desde sempre em nossa família. Carneiro, abobrinha recheada, berinjela, hammus tarrine, tabule e muito mais. Lembro vagamente de amigos que frequentavam nossa casa, de reuniões em surdina durante a ditadura militar; de saber anos depois da perseguição a alguns deles. Médicos, advogados, professores. Não tínhamos idade para compreender o que se passava. Mas a primeira ida até Sampa, na verdade, meus pais falavam com certo heroísmo, foi quando ainda bebê, tive que ser levado às pressas de avião por conta de complicações de uma verminose. Cresci ouvindo minha mãe dizer que cheguei a colocar setenta e duas lombrigas pela boca (argh!!) Imagine!!!

morumbi_final_paulista_1977_ae_950Desde sempre meu imaginário orbitava a megalópole brasileira. Como torcedor do Corinthians também tenho recordações. O segundo jogo da decisão do campeonato paulista de 1979 está ainda vivo em minha memória. Ganhamos da Ponte Preta e eu estava lá. Também estive outras vezes no Morumbi, quando da estadia do Kiss pela primeira vez no Brasil, em 1983, se não me engano. Desta vez, com os filhos, avizinhei-me do Cícero Pompeu de Toledo, em uma pousada de onde ouvíamos os apupos da torcida no empate de 1 X 1 com o Ituano.

Compras no bairro do Brás, passeios de metrô (enquanto sonhamos com o VLT) e alguns circuitos de Uber pela região completaram nossa estadia. Aulas de história e geografia com motoristas engraçados, cultos, divertidos. Alguns dos 70.000 que circulam diariamente na região nos transportando a preços mais competitivos. Por onde passamos vimos uma cidade bela, apesar dos contrastes, dos administradores omissos e do povo ainda desprovido de uma cultura ambiental mais sólida. As marginais repletas de carros, os palácios governamentais repletos de marginais (não é privilégio de nenhuma capital específica).

FOTO 2 COLUNA JULIANA REVISTA DONNA DC 21/07 Elis Regina em seu último show na terra natal Porto Alegre, em 1981 Adolfo Gerchmann, Divulgação
Adolfo Gerchmann, Divulgação

O Brasil não conhece o Brasil, já cantava Elis Regina, a pimentinha, a pequena notável que encantou a todos. O Corinthians perdeu para a Ferroviária, em Araraquara, e nem por isso a cidade ficou mais feia. Descemos ao litoral para que o mar fosse pisado por nossos pés. Agradecemos a outro santo: São Vicente, terra em que muita coisa lembra a Martin Afonso de Sousa. Descanso para os olhos. Ao longe avistávamos muitas embarcações aguardando desembarque no porto de Santos. Conheci o professor aposentado seu Joaquim, a quem presenteei com um exemplar de meu último livro, o Duplo Sentido, pela gentileza em nos acompanhar com dois dedos de prosa, ao ser indagado sobre uma informação qualquer.

Um homem de 1930. Professor. Aposentado. Ex-diretor de escola, formado em Letras e Ciências Contábeis. Disse-me ter saudade das aulas de Latim enquanto comentava a ausência de erudição das pessoas ao manipular nosso idioma. Um bálsamo, depois do banho de mar. Bálsamo, isso mesmo, o nome de sua cidade natal, próxima a São José do Rio Preto, no interior do estado. Viajar é um dos grandes prazeres da existência terrena. Sempre que possível vou a algum lugar. Já fui muito a pé, de carona, ônibus, avião. Não importa exatamente o meio, mas sim, os fins. Espero que tenha sido tão bom para meus filhos quanto foi para mim, pois na estrada me sinto verdadeiramente em casa.

*Luiz Renato de Souza Pinto, escritor, poeta, ator, professor e botafoguense
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

2 Comentários

  1. Que texto incrível. Quantas viagens ao tempo eu fiz nestas linhas. Me senti como em um domingo na Paulista, onde tudo acontece, a cada passo novas músicas, sons, pessoas, intervenções, sorrisos, protestos, e um ritmo descomplicado, mais leve em contraste com a movimentação de carros e pessoas no dia a dia desta urbe louca. Almoço no Almanara com minha mãe e minhas irmãs, uma lembrança que não vou esquecer. E muitas outras viagens que você me proporcionou e que eu ainda não havia conhecido. Obrigada por mais este ensinamento! <3

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