Por Luiz Renato de Souza Pinto

Conversava dia desses com o poeta Juliano Moreno acerca de poesia, viagens, aventuras literárias. Meu amigo recordava algumas de nossas parcerias, sobretudo nos anos 1990, e fomos recompondo um cenário repleto de nuances enquanto combinávamos um encontro para um café, ou coisa parecida. Juliano se referia ao projeto Palavra Aberta, que coordenou trazendo personagens importantes do mundo literário brasileiro como Ana Miranda, minha escritora preferida, José Castelo e João Gilberto Noll, por exemplo, para atividades em Cuiabá e Várzea Grande. Falava com saudades da revista Fagulha e suas últimas centelhas, reduzidas a cinzas na esperança de que, qual Fênix, renasça um dia.

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Juliano Moreno

Tive a oportunidade de ser publicado por Juliano em uma coletânea de contos organizada por ele e Mário Cezar Silva Leite: na margem esquerda do rio: contos de fim de século. Quando me pediram um conto e havia pouco tempo para a seleção, fui até meu baú de ossos e extraí de um romance inédito um texto que simulava uma partida de futebol entre o Surrealistas Futebol Clube e o Reacionários Futebol Club. Na verdade é uma brincadeira com as vanguardas europeias, em que o narrador simula uma partida de futebol enquanto vai narrando cenas obsessivas com atletas que levam o nome de figuras emblemáticas desses dois plantéis. Destaco um trecho para você que não conhece:

4381_na-margem-esquerda-do-rio-contos-de-fim-de-seculo-124907_M2Reinício do jogo: Comte para Stalin, que se disfarça de extrema esquerda para penetrar na massa; este vira o jogo para Hitler na extrema direita, que atrasa para Mussolini; é pressionado por Breton e seus companheiros e perde a calma. Priii! Apita o juiz, dando risadinhas. Falta perigosa a favor do Surreal F. Na barreira, Eisenhower, Maluf, Hitler e Papa. Breton prepara-se para a cobrança, enche o pé na cara do Papa, que tenta se desviar, mas não consegue; cai como um cadáver e a bola vai em direção ao gol; Nixon tenta segurar a Watergate, mas não consegue; gooooooollllll!! E o juiz apita, encerrando o primeiro tempo (PINTO, s/d, p. 36).

Gosto dessa publicação. Contém quase trinta contos de diversos autores. Marilza Ribeiro, Tereza Albues, Gabriel de Mattos, Eduardo Ferreira, Hilda Gomes Dutra Magalhães, Ivens Cuiabano Scaff, Lucinda Nogueira Persona, Ricardo Guilherme Dicke e os organizadores Juliano e Mário Cezar completam a antologia. O livro ainda traz João Gilberto Noll em participação especial e uma apresentação de José Castelo. Embora goste de quase todos os contos da publicação, sou obrigado a confessar que O furo do mamão e Gregória na Janela, de Tereza Albues mexeram muito comigo. Este último foi publicado depois em Buquê de Línguas, de Tereza, pela Carlini & Caniato sob o nome de Georgina na Janela. Trabalhinho em Cáceres, de Wander Antunes e Vovô morrerá hoje, de Lucinda também são geniais, mas me desculpem todos os amigos/escritores envolvidos no projeto, pois O inventor do martelo de orelha, de Antonio Sodré é qualquer nota acima de dez.

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Ana Miranda. Foto: Companhia das Letras

O encontro com Ana Miranda, por conta desse projeto, foi muito interessante. Àquela altura eu ainda não sabia que faria o doutorado a partir de sua obra; acompanho sua escrita desde o Boca do Inferno, de 1989. Sigo seus passos, quero dizer, sua escrita, como o fiz com Clarice (postumamente).

Em uma das vindas de Castelo até nós, lançou seu Inventário das Sombras, livro que reúne um conjunto de textos produzidos a partir de entrevistas com escritores como Clarice Lispector (A senhora do vazio), João Antonio (A arte de ser João), Caio Fernando Abreu (O poeta negro), Alain Robbe-Grillet (Viagem ao castelo), Hilda Hilst (A maldição de Potlatch), Manoel de Barros (Retrato perdido no pântano), além de Nelson Rodrigues, Bioy Casares, Raduan Nassar, Ana Cristina Cesar, José Saramago, Dalton Trevisan, José Cardoso Pires, João Rath e Arthur Bispo do Rosário.

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José Castelo

Sei a data pelo autógrafo. Como presenteei ao escritor-crítico com um exemplar de meu primeiro romance, ele dedicou-me em 31/05/2001, há quinze anos, portanto, com as seguintes palavras: “Para o Teles, uma coleção de retratos, com o abraço de José Castelo”. Achei aquilo engraçado, pois como meu romance intitula-se Matrinchã do Teles Pires, ele pensou que eu fosse o Teles, motivo de um riso gostoso que faz com que me lembre de maneira curiosa desse fato literário. Ah, Castelo, você me fez rir muito nesse dia. Só mesmo o papo descontraído com Juliano para me fazer lembrar algo tão tosco, ou seria pitoresco?!

Luiz Renato de Souza Pinto, é escritor, professor, ator, poeta, 
pesquisador, viajante e botafoguense. (ele carrega a marca do Caximir)
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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