Por fauno guazina*
… ontem eu quase morri de ciúmes de vc, ontem eu me perdi na minha própria agonia e percebi o quanto vc é raro para mim, o quanto vc é aquele de mais lindo que posso ser/estar. hoje eu morri logo cedo, meu tempo era outro, quando acordei sonhei com aquilo que eu jurei ser só um presságio, mas ainda estava aqui, meu calcanhar, meu Aquiles, minha perdição mais encontrada.
parece um enorme drama, mas a forma mais sutil de desenhar essa loucura que me acometeu é que somos borboletas pós-metamorfose, minhas asas nunca puderam me suportar, meu corpo é vasto demais para as delicadezas da minha alma e vc é mais que complemento, vc é aquele me abraça e me estabiliza o vôo, suas asas dão plenitude para meu flanar.
isso é um canto, não uma ladainha, aqui é a gloria de saber que minha paixão é acesa mesmo que as vezes esteja toda cinza, mesmo que não perceba, eu senti o vento da saudade que reacende as brasas, que assopra as formas mais calorosas da alma em fuga, nessa estrada da perdição individualista.
claro que me perdi, se não me perdesse de que serviria essas asas tão frágeis?! mas o caminho é sempre adiante e contigo amigo eu posso seguir sendo eu, mesmo em meio ao seu abraço que me estabiliza, eu sou eu pq vc me traz a vontade em mim de ser o melhor e o pior que eu posso ser. aqui não cabe aquela agonia modernista da perfeição, não quero essa dor que não me permite errar, quero a agonia de dias e mais noites sem nenhuma precisão, além de precisar você.
não é preciso amar vc, pois é errante, esse carnaval na tua companhia, meus dias são as loucuras das ladeiras em que diabretes me atormentam, horas de arlequinas alegrias, horas de pierróticas melancolias, bem como desejos colombinos, formas tão erráticas que minha alma nem sabe se pousa voa flana flerta tomba assombra, eu sei, estou insano e do teu lado, mas encontrei borboletas negras em meu cabelo.
vou fingir por instante para que vc se sinta como eu me sinto sem sentir nada quando teu sentimento se recobre só de vc e não sabe exatamente o que é me sentir, pois eu acho que só eu sinto isso e na verdade esse sentir sempre teve mais sentido em vc quando eu sinto que vc sente isso, eu não percebi que era eu sentindo vc sentir.
não me desperte desse pesadelo, é claro e sóbrio aqui, quero sim a gloria de me saber arrebatado por todas as formas de seus laços, quero sim aguilhão, sua foice, suas cordas, teu porto, quero tua nau direção e que vc volte quando nunca nem partiu, quero muito e faço todo isso dizendo só de mim, como se esse barco fosse meu, mas é vc.
tá, la pelas tantas, eu estou aqui, cheio de vazios decorados, estridentes as cores que plantei pra vc, não é dissimulação, meu urro é real, meu grito é samba em fúria, frenesi entre dentes bem cerrados, lava de bacantes, festa de fúrias, sombras de elefantes e rinocerontes, é tão grande que nem me caibo em mim, queria berrar teu nome, mas nem é preciso, meu ser é todo eco de vc.
e eu… eu? eu sou eu, mas sou mais eu ainda quando vc me salva, até de mim mesmo, quando vc me permite que eu seja tão eu que nem eu possa interferir em mim, quando vc meu amigo me trouxe a mim eu me reencontrei para além do eu.
nós somos todo, mais que tudo, somos a soma, uma amizade imorrível que às vezes troça de nós, desse paradigma de mim, desse desvario que é vc, faz disso um grande absurdo que tem pouca ou nenhuma explicação, algo que nem quero entender, saber já não é mais, sinto-me formigar pelo absurdo de saber que simplesmente eu te amo pq vc é vc, amigo.
“O QUE TEM DE SER TEM MUITA FORÇA, TEM UMA FORÇA ENORME” — João Guimarães Rosa, no livro “Grande Sertão: Veredas”.
*fauno guazina é produtor cultural, designer, professor universitário e urbanista.