Aventuro-me na rotina. Saboreio tardes. Desenho nuvens, assusto gatos e me deixo na rede, não como peixe, como bicho preguiça que se espicha no movimento do vento a balançar folhas do pé de acerola.
Musgos são como caleidoscópio. Desfilam formas e formas, cada vez diferente, cada vez uma história e um desenho. O fundo branco da parede é como uma tela de moldura verde em torno. Folhas e raízes se misturando ao rés da grama roubada.
Pedaços de dias se esticando ao sol feito lagarto. Absorvendo energia para o bote fatal. Fatalidades são intrínsecas. Um bicho que dorme, um pássaro que pia e passa, a rolha que salta, o vinho descendo a ladeira.
Aventuro-me sob a retina dela. Saboreio seus olhos. Gosto de gelatina. Corte na manhã.
Um raio de sol atravessa a janela.
Sorrateira a gata desliza entre sombras de um sol de quarenta graus. Absorvo seus gestos. Deslizo entre folhas.
Um golpe fatídico sobre aquilo que parece repetição mas é outro tempo é outra luz e vento. O lagarto hoje não apareceu o sol agride
os nós se desfazem.
Repete o que não repete.
Um repentino vento já muda o estado das coisas. Basta um sopro de diferença, um ponto, um risco no chão, um traço no céu, tudo se transmuta e segue vai em frente. Não repete.
A rotina é uma falácia. Não é menor, nem maior que qualquer outro mo(vi)mento. Amanhã serei eu em outro. As coisas em decomposição.
Um custo para aceitar o outro. Um boi para não sair da boiada. Um pasto a se perder de vista no ponto das incongruências.
Palavras já nascem mortas.
sabor de vento velho que vai e vem
que desliza desabrochando poemas
firulas de pandorga em tarde quente
fumaça de Apaches convidando
avisando das boas e velhas histórias
desses paredões insaciáveis de ventos
poemas brotam de qualquer coisa, qualquer corpo, qualquer sombra, sem dúvida.