Seus dados, sua atenção, são os mais lucrativos mercados no mundo virtual. Cada clique é rastreado. Aliás, até o percurso do seu mouse é monitorado pelo Facebook, como admitiu a rede social em documento enviado ao Senado dos Estados Unidos. A coleta de informações e a comercialização dos dados dos usuários para fins como manipulação política ou marketing direto, começam a chegar ao conhecimento das pessoas. Bolhas virtuais e fake news são temas que devem estar na pauta, principalmente, devido a influência no processo eleitoral, em um momento que as fraturas e os extremos da sociedade brasileira estão expostos. O caminho para transformar esta realidade é através do debate saudável e imprescindível para a democracia.

Pensando nestas questões, encaminhei uma série de perguntas (para essa pauta nada mais oportuno do que uma entrevista por e-mail) para o professor, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), Ronaldo Lemos. Sem mais delongas, o bate-papo segue abaixo, e, expande as perspectivas que a tecnologia oferece e que são positivas.

– Estamos vivendo um momento em que o indivíduo tem mais acesso à informação em um único dia do que era possível em uma vida inteira na Grécia Antiga… Como percebemos o impacto dessa profusão de informação na prática? 

Tem duas formas de ver isso. A primeira é pessimista, em que a quantidade de informação é muito maior do que conseguimos processar e isso acaba por tornar nossa relação com ela superficial. A outra, que é otimista e da qual participo, é de que hoje é possível aprender qualquer coisa pela internet, graças a essa quantidade de informação. A única coisa que é preciso para isso é curiosidade e persistência.

– Em seu artigo “Sereias digitais“, você fala sobre a necessidade de recuperarmos o livre arbítrio diante de todo o controle dos nossos dados e atenção pela tecnologia. Qual é o caminho para encontrar este equilíbrio e evitar o vício e a dependência do mundo virtual?

Há várias medidas. Desde desenhar produtos que sejam menos demandantes da nossa atenção e não empurrem informação não solicitada o tempo todo. Até tomar medidas simples, como desligar as notificações do celular, ou reorganizar os aplicativos que ficam mais acessíveis, priorizando somente aqueles mais importantes e escondendo os mais desnecessários. Hoje é fundamental que cada pessoa encontre seu caminho para reorganizar sua dieta diária de informação.

– Com a possibilidade de criar conteúdo, hoje somos todos potenciais produtores de mídia. A nossa relação com a comunicação e a informação transformou-se e rompeu com um paradigma anterior de como o consumo da informação se dava até então. Não é mais a comunicação de um para muitos e hoje chegamos a um patamar em que é possível que todos produzam conteúdo. Um dos aspectos positivos é a diversidade de informação e o surgimento das mídias ditas independentes, que fogem da lógica da grande imprensa. Mas, quais são os aspectos negativos mais evidentes? 

O aspecto negativo mais discutido dessa virada é a questão do surgimento das bolhas informacionais. Eles surgem pelo fato de que pessoas com gostos e valores parecidos acabam se juntando por meio da internet. É o fenômeno conhecido por homofilia. Quando isso acontece, surge um terreno propício para radicalismos e para que pessoas que antes eram moderadas adotem posições cada vez mais extremas.

– Um dos inegáveis pontos negativos são as fake news. Como fazemos frente a essa proliferação de notícias falsas? E como podemos romper as bolhas ideológicas das redes sociais?

É um perigo enorme entregar ao Estado, seja executivo, judiciário ou legislativo, a prerrogativa de decidir o que é falso ou verdadeiro. Essa não é função do governo nem do judiciário. A verdade é uma construção social complexa, que depende do intenso debate, da liberdade de expressão e de instituições sólidas. Nesse sentido, qualquer criminalização específica ou adicional das “fake news” é uma temeridade. O Brasil já conta com arcabouço jurídico amplo e eficaz para lidar com o problema. Temos o Marco Civil da Internet, que permite a remoção de conteúdos da rede mediante ordem judicial. Temos também os dispositivos sobre calúnia, injúria e difamação no Código Penal. Além dos dispositivos específicos da lei eleitoral. A questão não é de mudança na lei, mas sim de sua aplicação eficaz e dentro dos limites constitucionais. Qualquer coisa além disso seria medonho.

– Temos hoje a clara noção da influência das fake news nas eleições dos EUA com Donald Trump e do referendo Brexit na Europa, qual a sua percepção da influência destas notícias falsas com a proximidade das eleições presidenciais no Brasil?

O relatório preparado por Robert Mueller finalizado em fevereiro de 2018 e publicado online é uma verdadeira aula sobre esse tema. É uma peça que todo advogado ou cidadão interessado no impacto da internet para a vida pública deveria ler. Não vou entrar aqui em detalhes, mas o documento relata com grande precisão a atuação das redes de robôs e das ferramentas de propaganda computacional para manipular parte da opinião pública. O relatório também demonstra claramente a possibilidade de interferência externa em processos eleitorais locais. Vale muito a leitura. E ainda mais detalhes devem ser publicados no relatório final que deverá ser entregue nas próximas semanas.

– As bolhas ideológicas das redes sociais, bem como os comentários nos sites noticiosos revelam sentimentos extremos, caso do ódio e da adoração de determinados personagens, principalmente políticos. Esta guinada à extrema direita tem acontecido em todo o mundo e chega ao Brasil. O que explica este fenômeno mundial?

Uma parte da explicação é que com o aumento da quantidade de informação e da complexidade da vida contemporânea, as pessoas acabam aderindo a visões simplificadas da realidade, que são produzidas por meio de sentimentos muito básicos: ódio, medo, repúdio e assim por diante. Em vez de enfrentar a complexidade, é mais fácil buscar amparo em uma visão mais simples, mais básica, que possui apelo mais universal. Isso acaba contribuindo para mais radicalismos.

– As redes sociais são as novas arenas de debate público? É possível furar a bolha e estabelecer o diálogo saudável tão caro às democracias?

Sim, mas para isso é preciso construir novos espaços de diálogo. O problema do debate nas redes sociais é que ele é incapaz de produzir uma síntese. Há apresentação de teses, de antíteses, mas elas não levam a nenhuma síntese. Então o debate não avança. Acredito que novos espaços, como o aplicativo Mudamos (www.mudamos.org) e outras iniciativas semelhantes podem levar a uma construção mais positiva de mobilização pública em torno de causas.

Ronaldo Lemos

Professor de Direito na Graduação e na Pós-Graduação da Uerj, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Pesquisador visitante do MIT Media Lab. Foi Professor visitante da Universidade de Columbia (2017), e pesquisador da Universidade de Princeton (2011) e da Universidade de Oxford (2005). Membro do Conselho de Comunicação Social criado pelo artigo 224 da Constituição, com sede no Senado Federal. Liaison Officer do MIT Media Lab para o Brasil. Membro do Conselho de Administração de várias organizações no Brasil e no exterior, como o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a Fundação Mozilla e a Access  Now. Cofundador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio).

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Comentário

  1. que clareza , tanto as perguntas quanto as respostas, show; esse homem tem tempo pra se divertir ? quanta coisa ele faz rs…parabens!

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here