Retomam o silêncio de antes. Um espectro nauseante os envolve. São todos homens de sangue. Em sua maioria, matando para os outros, como abatedores em um matadouro. Uns compram a morte; outros a vendem como mercadoria (MAIA, 2017, p. 29).
Fechada a temporada dos prêmios literários. A maioria dos concursos de expressão já apresentou seus ganhadores, em meio ao caos do mercado, ampliado pelo pedido de recuperação judicial de gigantes do setor varejista, o que compromete ainda mais a cadeia produtiva. O leitor é sempre o mais prejudicado, pois a diminuição do fluxo diminuirá sensivelmente as publicações, encarecerá o produto e por aí vai…
Em “De Gados e Homens”, trata com habilidade as relações de um “eu” contido em personagens sórdidos com outro “eu”, travestido de “não eu” sobre o qual a diegese deposita infortúnios de variada espécie. “É bom eu desmontar, seja o motor de um carro, um boi, uma onça ou uma casa, pois é capaz de demolir até paredes a golpes de martelo em poucas horas” (MAIA, 2013, p. 24). E assim promove o desmonte da humanidade idealizada que habita a pele sobre a qual se inscrevem outros discursos. O ciclo produtivo da carne é lembrado metaforicamente do pasto ao fast-food – quando a antropofagia atua de maneira conotativa, livre de qualquer lembrança que atormente o freguês, como se observa na sequência a seguir: “Lá na fábrica de hambúrgueres a brancura reflete uma paz que não existe, um clarão que cega a morte. Todos são matadores, cada um de uma espécie, executando sua função na linha de frente (p. 45).
Após a leitura do premiado “Assim na terra, como debaixo da terra”, deparo-me com outro personagem que atravessa de um livro a outro as narrativas de Ana Paula. Trata-se de Bronco Gil, filho de um homem branco com uma índia. Fruto de um estupro. “Bronco Gil não é um homem bom e sabe disso, não espera ser tratado de acordo com seu caráter, mas de acordo com sua conduta dentro dos muros” (MAIA, 2017, p. 27). “Enterre seus mortos” é de 2018, “Assim na Terra como debaixo da terra”, é de 2017; De Gados e homens é de 2013. Edgar Wilson aparece primeiro em 2013 e retorna em 2018, certo? Bronco Bil também surge em 2013 e reaparece em 2017.
Lembro-me do livro de memórias de Pedro Nava. Não pelo conteúdo, mas pelo título que demonstra o poder da memória quando engaiolada em velhos corpos que pensam: “Baú de Ossos”. Já saboreio o futuro dessa artífice quando trouxer à tona as memórias de um tempo de escritora. Adivinho coisas boas por detrás da cortina; pareço sentir o cheiro de uma espécie de carvão que começo agora a perseguir. É esse o Brasil que a gente precisa, o que se esconde dentro das páginas de um bom livro, cuja criptografia tem sido obstáculo para as cabeças pensantes. Por um letramento de humildade e preocupação com a capacidade de se apaixonar pelos valores que o humanismo trouxe à tona, um dia…
MAIA, Ana Paula. De Gados e Homens. Rio de Janeiro: Record, 2013.
_____________. Assim na terra como debaixo da terra. Rio de Janeiro: Record, 2017.