Emoção pura conversar com Juliana Capilé e Tatiana Horevicht, da Cia Pessoal de Teatro, de Cuiabá, numa entrevista que fiz para o programa Fusão[ponto]com na Rádio Assembleia, 89,5 FM.

O mote foi a estreia do espetáculo EntreNãoLugares que elas vêm desenvolvendo-criando-tecendo desde o ano de 2016, na Dinamarca, sob direção de Julia Varley. No dia 1 de fevereiro de 2019, aconteceu a estreia em Holstebro na Dinamarca, como parte da programação do NTL Festival (Nordisk Teaterlaboratorium), sendo o único espetáculo brasileiro do evento.

O impacto desse trabalho na vida delas é imensurável. A riqueza do Teatro (com maiúscula mesmo!) está na possibilidade de troca com o outro, pelas várias formas de vivência e contato com outras pessoas, que é quando o teatro se completa: na sua relação com o outro, de um corpo para outro corpo, de um corpo para outros corpos, no sentido ritual, generoso e catártico que impõe uma verdade transcendental. O teatro revela um processo que é construído na relação que, no fundo, é uma relação de amor. É ali na representação cênica, no contato direto com as pessoas que o ato se completa, lugar onde se cultiva valores sagrados para o ser humano, empatia, catarse, rupturas, mergulhos no inconsciente, celebração, rito, enfim, são muitas as relações que se estabelecem quando comungamos com o fazer teatral, em sua essência. É uma forma de ritualizar as relações, celebrar sentimentos, sensações, percepções e muito mais

A emoção bateu muito forte quando Tatiana expôs sua nudez de alma e corpo ao falar de como a história familiar centrada na narrativa que desenvolveram a partir da história de sua mãe, quando partiram da Paraíba para o Paraná em busca do pai das crianças, levando uma caixa sagrada de livros didáticos, peso de pedra, peso de eras, peso de conhecimento, que era o que carregava de mais valioso em sua vida, para poder continuar ensinando em sua trajetória de vida. Para ela os livros eram a coisa mais importante pois só se podia levar o que fosse essencial, eliminando os supérfluos, e os livros eram o que ela tinha de mais sagrado e necessário.

Ao chegar lá no Paraná soube que os livros didáticos se atualizaram e aqueles já não tinham mais valia. Mas como selecionar o que é, ou não, importante nos livros, na esfera do conhecimento? São questões que foram surgindo no processo de criação da dramaturgia, muito bem percebidas pela diretora, e que foi se tornando elemento norteador da narrativa dramática que construíram juntas, o fio condutor, o roteiro, amparado por duas personagens, catadoras de papel de rua, que vão reciclando histórias encontradas no dia a dia pelas ruas da vida

A mãe de Tatiana faleceu antes que a peça estivesse pronta e aos prantos fomos conversando, com o coração a mil e lágrimas teimando rolar de nossas faces. Impossível não se emocionar e observei que ela não assistiu ao espetáculo mas que ela é parte integrante, ela está dentro da história, indissociavelmente. A arte assim como a vida tem o poder de emocionar e isso é fundamental principalmente nesse tempo louco de frialdade e maldade estampando corações e mentes delirantes.

Agora é Cuiabá! Finalmente vamos poder assistir a esse espetáculo tão marcante para nosso teatro e tão rico em seu processo de longo desenvolvimento, em comunhão com pessoas de outros países, num processo de encontros que só a arte é capaz de propiciar. No teatro do Sesc Arsenal, dias 30 e 31 de março.

EntreNãoLugares

Dedicado à Vilma Clara Mendes Horevicht (1941 – 2018)

Duas mulheres – catadoras de papel – contam histórias de migrações e viagens seguindo a rota de Ulisses na sua jornada de volta à casa. O sonho de Ulisses era chegar à Itaca; é o mesmo sonho de muitos migrantes do passado e de hoje que almejam uma ilha de paz onde construir um lar. Um passo vem depois do outro. Elas continuam andando enquanto desaparecem a sensação de pertencimento, de tradição, narrativas e registros. As histórias não estão escritas em livros, mas nos corpos dos caminhantes, com gotas de suor na terra e lágrimas na areia. No final, tudo o que restou de Ítaca é uma ilha de plástico no meio do mar.

Atuação: Juliana Capilé e Tatiana Horevicht

Adereço cenográfico: Julia Varley, Juliana Capilé, Tatiana Horevicht

Construção de adereço: Douglas Peron

Figurino: Julia Varley, Juliana Capilé, Tatiana Horevicht

Confecção de figurino: Jane Klitzke

Preparação vocal: Cristiane Puertas

Preparação corporal: Elka Victorino

Design de luz: Fausto Pro

Web designer e fotografia: Fred Gustavo

Música original: Karla Izidro

Tradução: Rejane de Musis e Caio Augusto Ribeiro

Dramaturgia: Julia Varley e Juliana Capilé

Direção: Julia Varley

Co-Produção: Cia Pessoal de Teatro e Nordisk Teaterlaboratorium

 

 

 

 

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