Por Glauber Lauria*
São incríveis as cousas que se pode pensar pedindo carona ao meio-dia. Num utópico devaneio na saída de Itumbiara, parado e com sede debaixo de um sol à pino, sem cigarros e com a barriga vazia, anacoreta de encruzilhada em meio a fumaça e as buzinas, vi legiões de jovens malvestidos, tendo todos mesmo assim um individual e exdrúxulo estilo; eles envergavam enormes mochilas, todas repletas de livros, paravam nas esquinas conversando alegremente sobre Balzac, expunham sobre belos tecidos: alfarrábios, incunábulos, tomos, cartas, biografias. Haviam caravanas, eram carros, toldos, por vezes, ao ar livre, verdadeiros simpósios artísticos; vinham de todos os lugares, haviam abandonado quase tudo. Em meio a todo o burburinho se quedava um grupo, todos atentos a leitura de um mesmo livro. Malas com obras completas circulavam, ninguém sabia a quem pertenciam. Empoleirados sobre kombis uns exibiam cartazes: aqui mala completa Lygia Fagundes Telles, outra, sobre uma belina marrom gritava: todo Lima Barreto aqui! As pessoas tropeçavam-se, sorrindo, absorvidas na leitura de um verso de Ovídio. Exasperado, um grupo que sobraçava enorme tomo sobre Michelangelo, discutia a dias a terribilitá, enquanto atentos uns serviam vinho, outro, de suspensa concha esquecida, com sinal de interrogação à testa, não sabia se pedia impressões sobre o molho ou se se entregava a considerações maneiristas. Barbudos e desnudos filósofos, em pleno movimento de seus pelos ao vento, numa sala a céu aberto sobre velho caminhão lotado a estalar sobre o peso da plateia atenta, riscavam em tosco quadro pitagóricos problemas. Hortas eram transportadas sobre rodas, vi uma jovem afinar um bandolim sentada em um trapézio, em seus pés estavam suspensos regadores. Travessas de saladas eram servidas aos leitores insones, aqueles que possuíam enormes olheiras e quase nunca dormiam, eram venerados como “os profundos”, repositórios vivos de todo conhecimento produzido. Livros infantis, presos a balões e pipas coloridas, desciam em jardins onde as crianças corriam, sem ter quem as conduzisse… não sei porquê, quando a visão se desfez lágrimas em meus olhos tremiam. Acabei pegando uma carona vinte quilomêtros na direção errada, fui parar em Cachoeira Dourada quando deveria ter ido para Bom Jesus. É isso que dá ter epifanias.
*Glauber Lauria é poeta mato-grossense e mora no Rio de Janeiro. Nascido em 1982, publicou de forma independente o livro Jardim das Rosas em Caos, já participou de três antologias em diferentes estados brasileiros e possui poemas publicados nos seguintes periódicos Sina, Acre, Fagulha, Grifo, Expresso Araguaia e A Semana.