Wender Ground
ORBES ERVAÇÕES
Linha 410, Grande Terceiro Mundo/Centro.
Escutador entra no burzum vazio, apenas uma criatura cuiabanesca com a cara cuiabanesca de quem tinha acabado se sair de um bate-boca. O senho franzido e a testa suada, com uma impaciência e incômodo, mesmo sentado, muito perceptíveis, ainda mais pra reparador. Dois pontos à frente o burzum pára e entra outra criatura cuiabanesca. Essa já com o humor nitidamente contrário. Salva o motorista, que não responde, passa a roleta, vai até o assento onde está o primeiro e o salva também com um bom dia, e a saga do Escutador começa na escutação. Se fosse computador escreveria: hehehehe, mas, bem….
– Bom Dia Sírvilino!
– Bom Dia Candinho!
– Que cara amarrado que é essa djá logo bem cedo Sírvo mo tchapa? segundão ainda por cima. se começa assim dja sabe como vai ser o resto da semana né? num tomô o guaraná hoje? cheu cidreira? que foi tchô máno?
– áh, tem dia a semana djá começa atravessado Candinho, tá ligado. Num bota fé que cabei de bater boca com o piloto?
– áh, como assim? gordinho maió dgente fina tchô Máno.
– tô ligado, mas essa merda de ter de entrar no burzum com o cartão carregado tá ligado?
– hum, tô ligado.
– ainda falei pra ele: gordinho, esses féla da puta tiram os cobradô, deixam uma pá de dgente desempregado, coloca um caboco pra atender mais de nao sei quantas linhas de burzum em um ponto, agora com o inferno na ativa a mil grau ao invés de facilitar ao menos um trisquinho, eles fazem é complicar mais ainda a vida nossa tchô Máno. Olha bem gordinho, nois aqui batendo boca segundona, 6:00 horas da madrugada, dois trabalhadores que o trampo não é fofolândia, pra eles ficarem de boas cada vez mais milionários, que já estão, a troco do nosso total desconforto. Você acha mermo certo isso? ou você é burro mermo? por que se for também sei dar coice. __ Sabe o que ele me respondeu Candinho?
– o que?
– ordem é ordem.
– vixe! e daí?
– áh, pulei a roleta sem páno. Nem esperei tchegar no cobradô. E ainda disse que se quisesse podia tchamar os Hômi.
– vixe!
Alguns segundos, ou minutos em silêncio.
– Inton, Candinho. Eu fico bexta de ver uns povo aí saca? empapussado djá. Governo faz o que faz, pinta e borda com nossa cara e não conseguimo derrubar um. Unzinho que seja em nome da nossa dignidade arrancada de nós, ou então pelos mortos de séculos que acontece pra sustentar o conforto deles.
– como assim, derrubar, Sírvo?
– Derrubar mermo tchô Máno. Não quéssa patifaria de eleição, essa entcheção de nosso nariz de graveto que é essa política… é derrubar mermo. Pegar um, nem que fosse um desses vereadorzinho que ganha 30 mil fora as pilantragens e aposenta com 4 anos. Colocar ele pendurado lá no Jardim da Matriz. Com um cartaz dizendo: esse é só o primeiro, se não começarem a nós tratar com dignidade seus desgraçados.
– Vôte, Sírvo! mas pendurado, vivo ou morto?
– vivo Candinho? se liga. Quando eles deixam o povo morrer de fome sem o básico pra poder viver uma vida salubre ao menos, eles pensam na nossa vida? quando pagamos 30 mil pro desgraçado e recebemos mil, eles pensam na nossa vida Candinho? pendurar ele enrolado nas tripas pra verem que quem manda somos nós.
– vôte Sírvo, cê tá revortoso mermo né?
– cansado irmão.
– mas, cê acha que o povo, o povo brasileiro tem cú pra isso?
– tem porra nenhuma.
– eu penso Sírvo, que nem é questão de ter cú ou não sabe? vê direito pro cê vê: Se nós olhar pra trás, tudo quanto revolucionário tem educação tchô máno. agora… e nós ?
– uai tchô Máno, tcheio de universitário aí, intelectual fazendo assistência social pá todo lado. sei lá se é isso mermo heim?
– áh, vê direito tchô Máno. hoje em dia os cara escutam um som que tchama sertanejo universitário. só fala de chifre, fodelância e cachaça. só fala por que nem fazer mais os caras fazem. e outra, só ver os manifestos dja da pra flagar que a forma como é passado o conhecimento na Universidade já é pro caboco aceitar o baguiu como é. Dão um tiquinho de sei que lá de senso crítico pro caras, aí eles vão lá fazer panelasso, notas de repúdio, e có có có até montarem seus partidos ou enganjarem nesses que já tão aí a décadas, ganhar seus 30 mil pra frente e continuar a mesma bosta. Essa merda não forma nêgo de atitude pra reagir, pra bater de frente à altura do que fazem com a gente tchô Máno.
– vôte Candinho. agora você que revortô né?
– áh, tem hora cê ta certo mermo. Tínhamos que intorná o cardo que é.
– Outra coisa Candinho, é essa conversa de, “Não Vou me Calar”. só pá arrumar pá cabeça. Apanha, é torturado, humilhado, esculachado, sofre ameaça contra a família, morre….e não resolve porra nenhuma, só produz notícia. não tem como isso dar resultado tchô Máno. os caras treinam tropas pra proteger eles, e massacrar nós. e o mais loko… com nossa grana. e nós? vivemos igual estouro de boiada sem rumo no meio da catinga.
– que caatinga Sírvo? na caatinga os bois já morreram tudo de fome e sede.
– não tchô Máno, tô falando da catinga de fedor mermo.
– áh saquei. mas péra lá… e o crime?
– que crime mo tchapa? tudo isso aí que tamo falando não é crime?
– tô falando das turmada das facção e tals, bexta.
– xiiiuuuuuu. tá loco? falar desses Bixo dentro de busão? tá locão?
– não mano, tô falando se eles não poderiam atiçar uma reação tá ligado?
– Ô Candinho, cê vai descer na Taquara?
– não, vou descer lá no choppão hoje. mas diz aí que se acha?
– mano, falar de criminoso no busão só se for dos oficial que eles dão risada. nós falar e cachorro cagar pra eles é a mesma coisa pois sabem que não temos nem base de como começar o que falamos, nem incentivo, nem nada. então não vai mudar a regra se a gente falar. Já desses caras aí qualquer coisa que falar mano, eles vão na sua bota.
– mas não tô falando mau dos caras Sírvo, só…
– ô Candinho, cê é bexta ou o quê?
– por que?
– quantos poderes de força de controle de gente tem aqui nessa bosta?
– três
– quatro
– que quatro Sírvo? é igreja, político e facção.
– ah, tá. e os que controlam esses três aí?
– quem são esses? num tô ligado. os macumbeiro?
– puta merda Candinho. os macumbeiro controla gente Candinho? vá te lascá. os empresários bextão.
– puts, esqueci dessas praga. boto fé.
– inton. são quatro forças que controlam o povão aqui e tudo mais. em 2018 a população do era de 209,5 milhões de habitantes. não sei direito mas se somar todos os políticos, líderes religiosos, empresários e líderes de facção, nao deve dar 30 milhões de gente, jogando lá em cima, controlando cento e lá vai pedrada de milhôes de gente que não consegue reagir ao controle. você acha mermo que tem alguém interessado em deixar de se beneficiar com nosso sangue pra colocar as coisas em Harmonia?
– puta merda Sírvo, cê quebrou minhas perna heim? mano cê tá inteligente heim?
– inteligente meu cacete. inteligente é árvore que sai de sementinha e vira aquele pé de pau frondoso. inteligente é rio que vai rasgando tudo pra descer até chegar na foz. inteligente é o cabôco que entra pro mecanismo fazendo sei lá quantas graduações, mestrado, doutorado, e o escambal de títulos, daí faz um concurso da vida, acessa a veia dos salários dignos de quem estudou e ainda se pá, se for de humanas, pode se tornar o pop star das causas dos menos favorecidos, se é que podemos considerar isso, por que… favorecidos ?
– resumindo… Tamo na Piça!
– Tamo!
– mano, toda essa ideia por que gordinho não queria deixar você embarcar sem o cartão carregado. pá cabá. bora descer aí?
– vou não tchô Máno. vou descer depois do 44. hoje vou fazer um bico ali no Duque. bater uma laje, perto da casa de Ulisses Calháo. Dja viu a casa dele? monstra mano. o cara é foda, construiu uma mansão só cortáno cabelo alheio, e na tesoura ainda. na época não existia maquininha.
– vai tomar no cú Sírvo. até amanhã. e não esquece de carregar o cartão que não tem cobrador no busão, veado.
– vai tomar no chú cú Candinho veado. até amanhã féla da puta.
Wender Ground é poeta das beiradas. Vocalista que passou por várias bandas em Cuiabá, como BR364, Zagaia, Caximir & outras inserções. Performático, contador de histórias. Estuda na Escola MT de Teatro.