Como é bom perceber a sinceridade das pessoas quando se propõe a fazer algo mais pela cidade ao invés de ficar reclamando. A cidade é uma construção nossa, dos habitantes dela. Somos construtores. Às vezes é necessário desconstruir também.

Honesto, despretensioso, constante, de olhar atento ao que acontece na cena musical e artística, com visão simples e gestos simples, o André Coruja, chegou chegando e já adotou Cuiabá. Tá fazendo acontecer nas quintas-feiras o projeto de encontro musical e humano, com o Cantautores. Como ele mesmo diz, um termo recorrente em terras de Espanha. Define o projeto já no bi-nome, cantor e autor na ribalta. Funciona assim: dois artistas convidados, músicos, compositores, artistas empenhados em mostrar suas criações, um contato direto entre o autor e o público.

O projeto começou nesse ano de 2017 lá no Gran Bazar, do Júlio Tavares (Julinho), na margem da Praça da Mandioca, lamentavelmente a casa foi fechada. A cidade perdeu um  espaço, mas ganhou na capacidade de resistir do projeto, que se associou agora com o Alex e os parceiros do Espaço Cultural Metade Cheio, uma das boas novidades na cena cultural de Cuiabá, e o projeto segue vivo. Já se apresentaram vários artistas como David Dafré, Mariana Borealis, Paulo Linha Dura, Estela Ceregatti, João Reis, André Balbino, Amanda Lopes, Mayk Ramalho e outros. Está divulgando próximo evento com Branco Barros e Wanessa Dias.

Bacana que o conceito pode se alargar, circular, ocupar outros lugares, sempre agregando dois convidados e o próprio André Coruja, um grande compositor e intérprete de suas músicas. Ele, que já circulou bastante por outros espaços, estava em Cáceres, dando aula na Unemat, mas enfim aportou em Cuiabá. E gosta da cidade, gosta das pessoas, acredita na cena que vem se constituindo por aqui com uma proliferação de talentos que não tem fim. Priorizar o trabalho autoral é uma forma de valorizar os criativos do lugar, de afirmação cultural da cidade e do poder de circulação da produção poética.

Sempre se discutiu a condição miserável do autor, sua solidão e invisibilidade. Os espetáculos na sociedade são feitos para valorizar a imagem, com a mediação do intérprete, do cantor, da presença mítica do encantador de serpentes. O autor vive na gaveta. Nas prateleiras da história reduzido a sílabas e palavras-chave, letras de busca. A cria escapa do criador e adentra os palcos do mundo com outras faces e vozes.

Mas existe um lugar para viver essa potência. Vida longa ao Cantautores, a energia é boa, propiciatória de novos e velhos encontros. É bacana aproveitar essas oportunidades para sonhar um sonho novo capaz de prenunciar novas possibilidades, novas perspectivas pelo que valha a pena lutar.

É legal a presença do André em Cuiabá, representa uma nova força agregadora. Ele se diz fascinado pela qualidade artística da cidade e da receptividade com que está sendo acolhido. Sente-se em casa e quer participar da história do lugar. Somar, contribuir, distribuir sua energia criativa para a produção cultural da cidade que, é bom lembrar, é um processo dinâmico, vivo, e em constante mutação.

Numa quinta passada, na última edição, fomos lá em bando para fazer a cobertura do evento e nesses momentos sempre vivenciamos uma movimentação intensa e extremamente produtiva. A casa foi enchendo de gente, a galera circulando, criando um ambiente vivo e gostoso, afetuoso, harmônico, divertido e de muita troca. De uma tacada só, celebramos com a música de Caio Mattoso, Estela Ceregatti, Jhon Stuart, uma canja de João Reis e muitas presenças bacanas.

Essa sequência de movimentos orgânicos que se sucedem em Cuiabá há mais de 30 anos reforça a percepção de uma tendência cosmopolita da capital que vai completar 300 anos. Apesar da apatia do poder público municipal as coisas acontecem de forma orgânica. As pessoas é que fazem acontecer. Não dá para esperar, muito menos ficar com mimimi.

André Coruja já esteve outras vezes em Cuiabá. É um cara de Belém que preferiu circular e ser um cidadão do  mundo. Rodou por países da Europa, Cáceres, até chegar a Cuiabá. E nessas andanças aconteceram encontros, reconhecimentos, vivências, trocas culturais, enfim, é possível experimentar muitas coisas diferentes na vida. Isso pode ser rico para qualquer um.

Coruja trouxe uma boa bagagem de vida e experiência para Cuiabá. Senti uma honestidade muito grande na sua exposição sobre o projeto. Tem emoção e muita racionalidade isso de provocar movimentos nos espaços vivos da cidade e sendo um construtor dessa história toda. Somos potência dos impulsos do jogo desejante da vida. Somos fragmentos soltos buscando conexões com outros pontos. Vítimas do átomo. Avante! Este é o século das conexões.

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